1999. No ano de lançamento de O Sexto Sentido, Matrix, Clube da Luta, dentre outros, o cinema e as mídias estavam se modificando às vésperas da virada do século. Logo 365 dias antes do ano 2000 começar, a expectativa parecia ser o que viria pela frente. Eduardo Sanchez e Daniel Myrick pouco sabiam que um filme gravado pelos dois, em 1998, mudaria o terror para sempre. Mudaria a forma de fazer marketing para cinema. E não apenas isso mas a carreira de ambos também. Sob um orçamento de US$60 mil – segundo o site Box Office Mojo -, A Bruxa de Blair se transformou em um fenômeno comercial. Os quase US$250 milhões arrecadados modificaram tudo ao fim daquele fatídico ano.
“Acho que as pessoas ainda gostam de falar e, também, de odiar”, relata em risadas Eduardo Sanchez em entrevista ao Omelete. “Todo mundo gosta de buscar informações [sobre o filme]. Acho que grande parte das pessoas sabe sobre o que é A Bruxa de Blair. É impressionante depois de todo esse tempo ainda ser popular.”
A grande questão que atraiu as atenções ao filme foi o fato de haver uma imensa interrogação na sua trama. Tudo estava sendo vendido como realidade ao tratar de três jovens estudantes desaparecidos. Para gerar ainda confusão no público, os diretores ainda criaram um site com informações da vida deles, contendo números para ligar caso alguém tivesse informações. Uma lista de e-mail foi criada para receber novidades e teve mais de 100 mil inscrições. O cinema começava a dar seus passos em direção a um aperfeiçoamento de marketing, porém a dupla ficou dois passos à frente de todos.
O Sucesso
“Voltando àqueles dias, era muito fácil fazer um site”, comenta Daniel Myrick também em entrevista exclusiva. “Então, pensamos que era um bom lugar para começar colocando algum material a mais e um passado para o filme. Era algo totalmente barato para a gente. E alguns fãs começaram a notar a página e tiveram o trabalho de criar suas próprias páginas e sites. Isso gerou um crescimento exponencial de interatividade com os primeiros fãs."
Toda essa construção do pano de fundo serviu apenas para aumentar o suspense e a empolgação em torno do lançamento da produção. Ao ver o sucesso daquilo tudo, Daniel e Eduardo apenas potencializaram isso. Em uma pré-estreia em janeiro no Festival de Sundance, os diretores aproveitaram para distribuir panfletos sobre o suposto desaparecimento dos personagens da história, reiterando, no início das sessões, a veracidade do que era apresentado em tela.
“Nós não tínhamos dinheiro. Tínhamos filmado já e descobrimos um site em que era possível hospedar informações. Lá colocamos algo bem básico, apenas questionando se a bruxa existia ou não”, conta Eduardo. “As pessoas começaram a se perguntar e pensamos ‘por que não ir a fundo nisso?’. Não podíamos pagar um anúncio, então a ideia acabou sendo perfeita.”
Essa brincadeira ainda teve repercussões para os atores do filme. Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams tiveram que desaparecer por alguns meses afim de aumentar todo o mistério. Posteriormente, eles relataram em entrevistas a preocupação de familiares, mas tiveram de continuar com o suspense.
“Acho que o público nos dias de hoje é muito mais sofisticado com a questão de fato/ficção, verdade/mentira”, continua Myrick. “Quando realizamos A Bruxa de Blair, não existia muito esse tipo de coisa acontecendo. As campanhas de marketing eram muito mais diretas. A internet possibilitou o marketing, as companhias e os filmes de poderem ser muito mais subversivos nas divulgações”.
O USA Today disse que A Bruxa de Blair foi o primeiro filme a ter uma viralização, mesmo sendo produzido anos antes da proliferação da tecnologia durante o século XXI. Por um lado, isso foi totalmente benéfico para o conhecimento prévio da audiência. Por outro, a expectativa estava cada vez maior para assistir.
O filme
Apesar de alguns acreditarem que A Bruxa de Blair tenha sido o responsável pela invenção dos chamados ‘found footage’, na verdade esse não é o caso. Holocausto Canibal, de 1980, tinha já aplicado esse conceito dentro do cinema. Contudo, é impossível falar sobre esse subgênero do horror sem citar o longa de 1999. Definitivamente, sua existência propiciou a popularização desse estilo, que geraria um novo estrondo com Atividade Paranormal, de 2007.
Na trama, os personagens pareciam totalmente realistas. Em um universo de histórias de horror menos realistas, inclusive no meio do sucesso da franquia Pânico, reações próximas da realidade ajudavam cada vez mais. Por isso, o uso da câmera na mão acabou por ser o ponto principal para criar uma atmosfera em que o público realmente se sentia assistindo ao ‘verdadeiro’ documentário.
“Eu sempre gostei de filmes, especialmente nesse gênero, que são mais psicológicos, que operam mais na nossa mente do que algo sendo realmente mostrado”, revela Daniel. “Com A Bruxa de Blair, houve uma tentativa de combinação entre o que acaba sendo sugerido de estar ali e a criação da mente das pessoas. O que mais nos assusta não é o que a gente vê, mas o que a gente pensa. Era o que mais tínhamos em mente”.
Essa criação psicológica ainda favoreceu a construção de uma mitologia bastante própria. Logo no início do filme, é possível ver os estudantes perguntando a moradores da cidade sobre a veracidade da bruxa. Com respostas positivas ou negativas, esse passado é estabelecido antes propriamente do horror acontecer. Isso, além do sucesso comercial, foi o ponto chave para a continuidade da saga.
Outro fato bastante relevante foi a conexão dos atores nessa imersão. Os três, durante as filmagens, eram apenas direcionados para algumas situações. A espontaneidade era o principal objetivo, e os atores acabavam tomando os mais diversos sustos e usando a câmera para registrar tudo, completando a sinergia entre ficção e realidade na tela.
O legado da Bruxa
Bruxa de Blair 2: O Livro das Sombras foi lançado em 2000 tentando dar continuidade a essa história. Mas, apesar do orçamento mais alto, de US$15 milhões, a arrecadação foi bem menor (US$47 milhões). Em 2016, uma nova tentativa de ressuscitar o filme, sob o custo de US$ 5 milhões, fez apenas US$ 45 milhões nas bilheterias e naufragou nas críticas. Há um mês, foi anunciado pela Microsoft e pela Bloober Team (Layers of Fear) o jogo Blair Witch, que será lançado dia 30 de agosto. Ele irá se passar quase dois anos após os acontecimentos do primeiro longa, mostrando alguns efeitos dos desaparecimentos. Mais uma adição a toda essa lenda.
Se os novos filmes da franquia não tiveram sucesso, é inegável que o horror psicológico se tornou forte atualmente dentro do gênero em parte graças ao legado da Bruxa. Longas como Hereditário, A Bruxa, Babadook, Corrente do Mal, entre outros, buscam trabalhar diversas ideias na cabeça da audiência. Assim, em muitos casos, pouco é realmente mostrado. A maioria acaba por ser digerido por quem assiste e pensa sobre posteriormente. A Bruxa de Blair não foi revolucionário nesse aspecto, todavia favoreceu a popularização desses conceitos.
“Eu gosto do jeito que o terror tem buscado formas e coisas novas. Acho que esses filmes buscam algo mais relacionável aos anos 70, como Tubarão, O Exorcista, A Profecia, entre outros, algo em que eu e Daniel também nos inspiramos”, Eduardo Sanchez revela quando questionado sobre a influência. “Mas acho que, de certa forma, A Bruxa de Blair ainda inspirou o que veio adiante. Acaba sendo um ciclo eterno dos diretores e ideias. O gênero do terror está sempre mudando e experimentando. É isso que permite ele ser o que mais quebra barreiras e traz novidades no cinema.”