A religião católica sempre despertou a curiosidade do cinema. Seja pelo drama ou pelo poder da fé, seus dogmas e estética já foram base para os mais diversos tipos de produção - especialmente as mais questionáveis. Um exemplo recente é Warrior Nun, que mostra uma ordem freiras armadas que lutam contra demônios. A série da Netflix pode parecer ousada a primeira vista, mas é parte de uma tendência muito maior: o Nunsploitation.
Como indica o nome, é parte do Exploitation, cinema altamente apelativo, barato e repleto de violência, sexo e tabus. Sempre em busca de novidades, os cineastas por trás de produções do tipo usavam algum elemento central para trazer o público curioso. Filmes com cenas sexuais explícitas são do Sexsploitation, obras com atores e realizadores negros e sobre tensão racial são do Blaxploitation, e assim por diante. O Nunsploitation, por sua vez, tem como elemento definidor a imagem das freiras. Mas os que as torna tão interessantes?
Como explica Rocco Thompson ao Rue Morgue, “filmes de Nunsploitation são uma autêntica investida de imagens satânicas, nudez provocante, violência moralista, e crescente ideais feministas [...] as obras entregam bastante material para análise em respeito à natureza do caráter feminino em esferas autoritárias. No melhor dos casos, esses filmes mostram a natureza opressiva da devoção religiosa e a forma como afeta a sanidade”. Ou seja, assim como muitas criações do Exploitation, há transgressão e comentário social por trás da mera satisfação primal do sangue, nudez e profanidade.
O subgênero teve bastante força nos cinemas duvidosos Europeus da década de 1970, mas a presença católica por grande parte do planeta ajudou com que cada canto do globo fizesse obras do tipo. Do mexicano Alucarda, a Filha das Trevas (1977) ao giallo italiano A Freira Assassina (1979), desvirtuar a imagem religiosa, tanto pela crítica quanto pelo lucro, é algo que atravessou fronteiras. Até o Brasil participou da onda através da Boca do Lixo, núcleo de produções de Exploitation em São Paulo, com títulos como A Freira e a Tortura (1983).
Dos anos para cá, o Nunsploitation desacelerou mas nunca deixou de existir. Na verdade, muitos de seus elementos foram incorporados em outras obras. Diretores entusiastas desse tipo de produção, como Robert Rodriguez (Machete), colocaram freiras armadas ou sensuais (às vezes ambos) em seus trabalhos. Até mesmo Watchmen, série da HBO, incorporou uma referência ao seu universo de heróis problemáticos. Afinal, a protagonista vivida por Regina King só assume o manto de Sister Night por influência de um VHS de Nunsploitation que viu durante sua infância.
Um dos gêneros que mais viu a influência do Nunsploitation é o terror. Desde que O Exorcista (1973) firmou o potencial aterrorizante de desvirtuar elementos religiosos, demônios, possessões, padres problemáticos e freiras assustadoras são marcas registradas do gênero. Um exemplo recente veio do universo de Invocação do Mal. Pouco após apresentar a “freira-demônia” Valak no segundo capítulo, a personagem foi tão chamativa (e traumatizante) que ganhou um filme-solo em 2018 com A Freira. Essa relação macabra é ainda mais visível nos videogames, seja em clássicos como Silent Hill (1999), ou então em obras indie como Nun Massacre, com uma freira impiedosa e barulhenta capaz de arrancar gritos dos jogadores.
Os filmes do Exploitation podem não ter tanto reconhecimento ou força nos dias de hoje, mas é visível que muitas de suas vertentes podem ser sentidas em obras modernas, mesmo as mais populares. O Nunsploitation pode ser sim insensível, brutal e bastante herege, porém conquistou seu espaço no imaginário popular. O cinema, especialmente o de terror, se mantém em constante evolução, mas uma coisa é certa: sempre haverá espaço para o entretenimento com toques de profanidade.