Por prestígio e história, não é exagero dizer que o cinema é a mídia dominante, e isso fica bastante claro ao ver a evolução dos videogames. Mesmo interativos, jogos como The Last of Us, Quantum Break, Beyond Two Souls e muitos outros são fortemente inspirados pela linguagem cinematográfica, incorporando desde a aparência de atores reais até técnicas de câmera, como em God of War, por exemplo, que é feito inteiramente em plano-sequência. Agora Projeto Gemini, filme de Ang Lee em que Will Smith enfrenta seu clone rejuvenescido, mostra o que acontece quando o cinema se inspira nos videogames.
O Omelete foi convidado a assistir três cenas do projeto e, logo de cara, os detalhes enfatizados pela distribuidora Paramount lembravam muito a linguagem tecnológica dos games modernos: além do rejuvenescimento de Smith ser alcançado por um modelo inteiramente feito no computador, o filme também é rodado à 120fps (ou quadros por segundo) - cinco vezes o padrão, o que garante uma maior fluidez de movimento. Não é a primeira vez que algo do tipo acontece, O Hobbit por exemplo teve sessões em 48fps, mas aqui fica claro que Lee incorpora isso na criação da ação, ao invés de usar apenas como um “diferencial”. Afinal, o diretor tem certa experiência nisso já que sua produção anterior, A Longa Caminhada de Billy Lynn (2016), usa a mesma taxa de quadros e resolução 4K.
A primeira cena, por exemplo, traz o encontro entre Henry Brogan (Smith) e Júnior, seu clone mais jovem, na Colômbia. Júnior é enviado para caçar seu progenitor em Cartagena e logo os dois passam a se enfrentar pelas ruas e telhados de uma vila. O combate - tanto pelo cenário quanto pela movimentação de câmera - lembra bastante algo visto na franquia Uncharted, com o diretor apostando em planos mais longos que capturem as acrobacias em detalhes. Vê-las em 120 quadros realmente é impressionante, trazendo bastante vida à luta e fugindo da ação picotada que assombra os grandes blockbusters norte-americanos, salvo raras exceções como a franquia John Wick.
A segunda cena mantém o ritmo frenético e traz Júnior sequestrando Danny Zakarweski (Mary Elizabeth Winstead) como uma forma de atrair Henry, montando uma armadilha nas catacumbas. Henry, por ser uma versão mais velha e experiente do garoto, invade o local sem esforço, desarmando todos os seus truques. Os dois se confrontam novamente e o herói tenta entender quem é o vilão - mas o jovem parte para o ataque e dois saem na mão. A pancadaria é um pouco ofuscada pela baixa iluminação do lugar, mas quando se torna visível, também surpreende pelas boas coreografias. A dúvida que resta é saber se esse mesmo nível de qualidade será mantido nas sessões comuns, em 2D, já que só as salas 3D (ou seja, mais caras) trarão a versão de 120fps.
A única vez que a tecnologia não segura tão bem a barra é durante um momento emocional, quando Júnior questiona seu suposto pai - interpretado por Clive Owen - sobre sua origem misteriosa. Há um grande ênfase na performance de Smith por baixo de todos os pontos e aparelhos da captura de movimentos e a construção de CGI é surpreendentemente humana e fiel. Mesmo assim, a taxa de quadros que favorece tanto assim a ação, aqui cria um tom novelesco, piorado por um roteiro sem sal. Julgando por momentos como esse, e pelas entrevistas com Lee e o elenco, parece que a produção acredita em uma profundidade que simplesmente não está presente na obra. O diretor fala bastante que o projeto discutirá o conceito de memórias e o peso do futuro colidindo com o passado, mas nada realmente indica que isso será aprofundado. Pelo menos a ação segura bem a barra, assim como um jogo em que a história não é tão convincente, mas que a jogabilidade é ridiculamente satisfatória.
A estreia de Projeto Gemini está marcada para 10 de outubro no Brasil.