Cailee Spaeny e Sofia Coppola no Festival de Veneza 2023 (GABRIEL BOUYS /AFP)

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Como começar a assistir Sofia Coppola?

Com o lançamento de Priscilla, o Omelete montou um guia para quem deseja se aventurar pela filmografia da diretora

04.01.2024, às 14H26.

De uns tempos para cá, o nome da cineasta Sofia Coppola voltou a causar tumulto pela internet. Isso se deve às discussões sobre nepotismo que surgiram após a explosão desse tema, assim como ao (re)descobrimento de sua obra, impulsionado pelo TikTok e pelo lançamento de Archive, um livro de arte que abrange toda a sua filmografia. Independentemente do motivo, é inegável que há muito tempo o lançamento de um título da cineasta não causava tanto alvoroço.

Dessa vez, o filme de Coppola que chega às telonas é Priscilla, cinebiografia de Priscilla Presley, primeira esposa do rei do rock, Elvis Presley. O filme, protagonizado por Cailee Spaeny (Mare of Easttown) e Jacob Elordi (Euphoria), recebeu muitos elogios no Festival de Veneza 2023, onde Spaeny conquistou o prêmio de Melhor Atriz, estreia nesta quinta-feira (4) no Brasil.

Se o lançamento desta produção despertou seu interesse a ponto de querer conhecer ou revisitar os filmes de Sofia, o Omelete preparou este guia para ajudar. Nele, reunimos informações sobre a carreira da diretora, suas influências e sugestões sobre como começar a assistir aos seus filmes:

Quem é Sofia Coppola?

Sofia, Francis e Roman Coppola no Festival de Cannes de 1996 (PATRICK HERTZOG / AFPPATRICK HERTZOG / AFP)

Dizem que filha de peixinho, peixinho é. Se isso se aplica, então Sofia Coppola é mais como um tubarão. Filha de Francis Ford Coppola, renomado diretor de O Poderoso Chefão (1972) e Apocalypse Now (1979), considerados alguns dos maiores feitos da história do cinema, a cineasta poderia facilmente ser associada ao termo "nepo baby" – usado para descrever celebridades que utilizam conexões familiares famosas para alcançar a fama. No entanto, este não é realmente o caso com Sofia, que se sustenta na indústria com base em seu próprio trabalho, evitando depender de ligações diretas com seu pai.

A trajetória da diretora não começou exatamente com vantagens, como sugerem os críticos e aqueles que a rotulam como uma filha do nepotismo. Embora tenha, sim, desfrutado de um início privilegiado devido ao renome familiar e influências, sua ascensão ao posto de diretora influente não foi instantânea. Inicialmente, ela ingressou na carreira como atriz. Apesar de algumas breves participações ainda na infância em filmes de seu pai, como em O Poderoso Chefão, sua grande oportunidade de atuar e brilhar diante das câmeras veio no capítulo final da saga estrelada por Al Pacino, O Poderoso Chefão III (1990). Sofia foi escalada após a desistência de Winona Ryder em cima da hora.

Como a filha de Michael Corleone, no entanto, Sofia bombou segundo as críticas – e no pior sentido da expressão. Sua atuação foi duramente criticada. Alguns até sugeriram que sua carreira mal havia começado para chegar a um fim tão trágico. Pelo trabaLho, ela recebeu o Framboesa de Ouro nas categorias de Pior Atriz Coadjuvante e Pior Revelação. Apesar de tudo, Coppola, em entrevistas subsequentes, afirmou que as críticas não a abalaram, pois nunca teve a intenção de seguir carreira como atriz.

Durante sua juventude, a jovem assumiu papéis múltiplos ao dirigir, roteirizar e apresentar um programa no Comedy Central chamado Hi Octane, em parceria com sua melhor amiga, Zoe Cassavetes, diretora e filha de John Cassavetes e Gena Rowlands (tidos como os pais do cinema independente norte-americano). No entanto, essa empreitada teve vida curta, com apenas quatro episódios – e todos eles disponíveis pelo YouTube. Posteriormente, Coppola decidiu ingressar na faculdade para estudar moda, mas abandonou o curso para se dedicar novamente ao cinema, desta vez como diretora. Ela dirigiu seu primeiro curta-metragem em 1998, intitulado Lick the Star.

Um ano depois, Coppola fez sua estreia mundial na direção de um longa-metragem com As Virgens Suicidas, apresentado no Festival de Sundance em 2000 e posteriormente exibido em Cannes. Naquela época, o filme recebeu elogios entusiasmados da crítica, marcando o momento em que Coppola rompeu todas as conexões diretas com seu pai no mundo do cinema. A partir desse momento, Sofia passou a ser reconhecida por sua própria identidade, e não apenas como a filha do diretor de O Poderoso Chefão.

Alguns anos mais tarde, em 2003, Sofia lançou Encontros e Desencontros. Filmado em Tóquio em menos de um mês, a produção estreou no Telluride Film Festival, também conhecido como Festival de Cinema de Toronto, onde recebeu novamente aclamação e foi adquirido pela Focus Features. Com um orçamento de apenas US$ 4 milhões, o filme arrecadou mais de US$ 118 milhões em todo o mundo, consolidando definitivamente o nome de Coppola na indústria cinematográfica. Por essa empreitada, Sofia recebeu três indicações ao Oscar na mesma edição, tornando-se a segunda mulher a conquistar esse feito, seguindo os passos da figurinista Edith Head em 1964. Sofia também foi notável por ser indicada em Melhor Direção, tornando-se a terceira mulher a ser reconhecida nessa categoria (as duas primeiras foram Lina Wertmüller em 1977 e Jane Campion em 1994). Embora tenha perdido os prêmios em direção e filme, Sofia saiu da cerimônia com o prêmio de Melhor Roteiro Original.

Seus projetos subsequentes, Maria Antonieta (2006), Um Lugar Qualquer (2010) e Bling Ring – A Gangue de Hollywood (2013), contribuíram para consolidar sua identidade autoral e reforçar os temas e a estética presentes em seu trabalho.

Temas e influências do cinema de Sofia Coppola

A cena com o All Star em Maria Antonieta (American Zoetrope/Reprodução)

Criada como filha de um dos maiores cineastas de todos os tempos, Sofia cresceu em uma espécie de redoma de vidro, afastada do que seria considerado o "mundo real". Em várias entrevistas, a diretora relembra frequentemente sua infância e adolescência privilegiadas, repletas de passeios de limousine e estadias em suítes presidenciais nas principais capitais europeias, acompanhando o pai em suas viagens a trabalho. Embora a experiência de Sofia não seja universal, é fundamental para compreender sua obra e sua abordagem artística. Os temas centrais que perpassam praticamente todos os seus filmes são claramente definidos: as relações entre pais e filhas, a cultura das celebridades, a alienação e a experiência feminina em uma sociedade patriarcal.

O primeiro tema recorrente nos filmes de Sofia Coppola, possivelmente inspirado por sua relação com Francis Ford Coppola, é a dinâmica entre pais e filhas. Essa temática permeia obras como As Virgens Suicidas, Um Lugar Qualquer, On the Rocks e é um dos elementos fundamentais na relação entre Bob (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson) em Encontros e Desencontros. O fascínio público pelo universo das celebridades também é um tema constante, presente praticamente em todos os seus filmes, com exceção de O Estranho que Nós Amamos e As Virgens Suicidas. Praticamente todos os filmes de Sofia abordam a maneira como a sociedade percebe as mulheres, através da perspectiva de protagonistas imperfeitas e propensas a desafiar as expectativas de uma "boa moça". Essa abordagem contribui para alimentar discussões sobre solidão e alienação.

Conforme afirmado pela cineasta, suas maiores influências cinematográficas são Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, dois renomados cineastas italianos conhecidos por retratar o luxo e a opulência em suas obras, combinados à efemeridade dos relacionamentos. Antonioni, em particular, encontra eco em algumas das referências e dilemas presentes nos personagens das criações de Coppola, com a clássica dualidade de "tenho tudo, mas não tenho nada", notavelmente perceptível em filmes como A Aventura (1960) e A Noite (1961).

Principais filmes para começar a assistir Sofia Coppola e onde encontrá-los

American Zoetrope/Reprodução - Montagem

Considerando Priscilla, a filmografia de Sofia Coppola abrange nove longa-metragens e dois curtas. No entanto, explorar o trabalho da cineasta é uma tarefa relativamente simples, pois, fundamentalmente, são seus três primeiros filmes que melhor representam sua identidade artística, seja por meio de temas ou estilo.

É interessante observar como 90% dos sites e influenciadores também sugerem que os iniciantes na filmografia de Coppola comecem com a tríade composta por As Virgens Suicidas, Encontros e Desencontros e Maria Antonieta, seguindo a ordem cronológica. Contudo, para uma introdução mais fácil, é recomendável começar pelo trabalho mais conhecido e acessível, Encontros e Desencontros. Em seguida, as indicações seriam As Virgens Suicidas e Maria Antonieta – especialmente para quem não vê a hora de assistir à cinebiografia da ex-mulher do Rei do Rock.

Encontros e Desencontros (2003)

Para muitos, a magnum opus da diretora – me incluo na categoria. O filme ainda é o único trabalho que lhe rendeu um Oscar (de Melhor Roteiro Original), e a tornou apenas a terceira mulher na história indicada ao prêmio de Melhor Direção. Encontros e Desencontros é um estudo profundo da alienação. Ele explora como podemos nos sentir sozinhos mesmo em meio a uma multidão, utilizando como pano de fundo a fascinante e agitada cidade de Tóquio. A trama segue Bob Harris (Bill Murray, que foi roubado de uma estatueta do Oscar e nada vai me convencer do contrário), um ator famoso de meia-idade que está na cidade para gravar um comercial de uísque. 

Durante sua estadia, ele conhece Charlotte (Scarlett Johansson), uma estudante de filosofia acompanhando o namorado fotógrafo na megalópole japonesa – e completamente entediada. Juntos, os dois embarcam em uma aventura pela vida noturna no outro lado do mundo. O relacionamento entre os dois personagens é aberto a diversas interpretações. Por vezes, eles parecem amantes – apesar da óbvia diferença de idade. Em outros momentos, a dinâmica entre eles lembra a de pai e filha. De qualquer forma, o filme é um dos melhores retratos de solidão do cinema moderno, capturando a essência da busca por conexão em um mundo repleto de desconhecidos.

Encontros e Desencontros está disponível para streaming no Globoplay e Net Now, e para compra e aluguel nas plataformas digitais. 

As Virgens Suicidas (1999)

Em seguida, a sugestão é assistir ao primeiro longa-metragem de Coppola, As Virgens Suicidas. Adaptação do livro homônimo de Jeffrey Eugenides, o filme acompanha a vida das cinco irmãs Lisbon, que, como o título deixa claro, se suicidaram ainda em uma jovem idade. Criadas em uma casa de família mórmon, nos anos 1970, as cinco irmãs, lideradas pela geniosa Lux (Kirsten Dunst), são acompanhadas e seguidas pelos meninos do bairro, que narram a produção. Com uma estética meio Tumblr e uma trilha sonora repleta de canções do Air, dupla de pop eletrônico francês que nutre um relacionamento artístico prolífero com Coppola, o filme se desenrola em uma sequência de fatos que tanto homenageiam quanto criticam o American Way of Life e a sociedade em declínio que perpetuava a morais e os bons costumes da época. 

As Virgens Suicidas está disponível para streaming pelo Pluto TV, e para compra e aluguel nas plataformas digitais. 

Maria Antonieta (2006)

E para finalizar, essa é para os que estão mais empolgados com Priscilla, já que Maria Antonieta é basicamente o seu antecessor espiritual: tanto na forma como aborda como uma mulher se apropria da redoma de vidro na qual se vê presa – mas nesse caso, não é o Rei do Rock que a aprisiona, e sim o Rei Luís XVI, como na maneira que o filme opta por retratar o clímax e seu encerramento. 

Maria Antonieta é uma cinebiografia banhada em cultura pop, que retrata a Rainha da França durante o período da Revolução Francesa. Digo banhada em cultura pop porque não é o que se espera de uma cinebiografia de uma figura política europeia (sabe Napoleão, do Ridley Scott? É basicamente um filme completamente oposto). Acompanharmos todo o processo de ascensão e queda da rainha, vivida por Kirsten Dunst, com muito anacronismo e de uma maneira super colorida e divertida, porque Coppola se aproveita da liberdade artística para recontar a história da monarca -- tem até um tênis All Star no meio de todas as compras luxuosas da poderosa. 

Delicie-se com as músicas (que vão de Gang of Four a New Order) e com as escolhas artísticas de Coppola para retratar a monarca, que ganha praticamente ares de celebridade da época, com direito a festas, tietes, seguidores e um eventual "cancelamento". Durante sua estreia, no Festival de Cannes de 2006, o filme foi vaiado e aplaudido na mesma proporção. Na época, a crítica americana torceu o nariz, mas o tempo foi mais generoso com o filme, que hoje figura em muitas listas de melhores da década de 2000.

Maria Antonieta está disponível para streaming pela Netflix, e para compra e aluguel nas plataformas digitais. 

Gostei dela, quero mais!

American Zoetrope/Reprodução - Montagem

Após se familiarizar com o universo artístico da diretora com os três títulos destacados acima, você pode explorar suas demais obras pelas seguintes plataformas – e por ordem que mais ajuda a intensificar a qualidade da sua obra:  

  • O Estranho que Nós Amamos: Compra e aluguel nas plataformas digitais;
  • Um Lugar Qualquer: Compra e aluguel nas plataformas digitais;
  • Bling Ring – A Gangue de Hollywood: HBO Max;
  • On the Rocks: Apple TV+;
  • A Very Murray Christmas: Netflix.

Priscilla, seu trabalho mais recente, estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 4 de janeiro, e depois chega ao MUBI.