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Crítica

Pouco mais que caricato, Banshees de Inisherin faz com sucesso o bait de Oscar

Martin McDonagh reúne Colin Farrell e Brendan Gleeson e os deixa brilhar no estereótipo

01.02.2023, às 19H07.

Ao contrário de Adam McKay e Todd Phillips, seus contemporâneos de sátira que migraram do cinema popular para o circuito de filmes de prestígio, em projetos que conciliam a comédia com o drama para potencializar essa sátira, Martin McDonagh ainda parece patinar. Os Banshees de Inisherin repete os problemas estruturais de seu longa anterior, Três Anúncios para um Crime (2017), e os piora, na indecisão entre o registro lírico e a caricatura.

Estreia de McDonagh na direção em 2008, Na Mira do Chefe continua sendo o filme mais bem resolvido do britânico - opinião que obviamente não condiz com as escolhas da Academia, que abraçou McDonagh como autor de humor sombrio e excêntrico a partir de 2018 no Oscar, onde o longa mais recente agora compete em nove categorias. À primeira vista, Os Banshees de Inisherin parece flertar com uma volta ao início, tanto na reunião de Colin Farrell e Brendan Gleeson (protagonistas de Na Mira do Chefe) quanto na escolha de uma única locação europeia de cartão-postal.

No papel, é de fato uma retomada, dado que a trama situada nos anos 1920 foi concebida por McDonagh inicialmente no teatro no fim dos anos 1990. Nascido e criado em Londres, filho de irlandeses, McDonagh aborda a Guerra Civil Irlandesa como pano de fundo da história prosaica de Pádraic (Farrell) e Colm (Gleeson), que de parceiros de Guinness se tornam quase inimigos a partir do dia em que Colm, aspirante a compositor, decide que está desperdiçando sua vida na companhia de Pádraic.

A premissa se oferece visivelmente a uma narrativa do absurdo, que tem longa tradição no teatro de inspiração beckettiana. A locação toda condicionada à ilha fictícia de Inisherin também denuncia a origem teatral do material, que McDonagh converte então ao cinema escorado acima de tudo nas paisagens verdejantes da costa irlandesa. De longe, os personagens assistem ao barulho e à fumaça dos canhões da guerra, enquanto a bela trilha sonora de Carter Burwell, indicada ao Oscar, assinala a solenidade melancólica desses instantes. Não demora para o absurdo dividir espaço e competir com a gravidade da parábola sobre a guerra.

Evidentemente, o absurdo pode servir também para tratar da condição humana, e normalmente é para isso que o absurdo serve. O que parece não encaixar em Os Banshees de Inisherin, assim como no filme anterior do diretor, é que ele não se contenta com o absurdo. A sua ideia de narrativa de prestígio passa obrigatoriamente por um anseio de cronista, e em busca sempre de uma especificidade McDonagh só consegue enxergar nos seus cenários a caricatura. Ebbing, a cidade no Missouri onde se passa Três Anúncios para um Crime, é tão fictícia quanto Inisherin mas ainda assim desesperadamente tópica, com sotaques e gostos culinários da América Profunda que gritam para nós sua especificidade posada.

Os Banshees de Inisherin piora um pouco a situação porque o filme, no seu minimalismo teatral, tem muito pouco a oferecer quando a especificidade falha. A música, a bebida, os hábitos simples, os casacos de lã, a velha bruxa, os animais domésticos, tudo no filme grita por uma especificidade folclórica da Irlanda rural - como se estivéssemos diante de uma parábola fundadora da identidade nacional - mas o que transparece, pelo filtro do absurdo, é apenas o estereótipo do irlandês chucro, depressivo e beberrão. Que os personagens estejam desde o primeiro minuto plenamente conscientes de si e de seus papéis (um terço de filme se resume ao debate para saber quem é afinal o “retardado da ilha”) é a cereja de metalinguagem que faltava para bloquear qualquer chance mais promissora de crônica.

Ironicamente, as caricaturas e a visível autoconsciência dos personagens é o que permite que o elenco se liberte para tomar o filme para si, entre caretas e muitos “feck” (ler o palavrão com o sotaque). É óbvio que Os Banshees de Inisherin chegaria ao Oscar com seus quatro personagens principais indicados - com variações que vão do sublime, no caso de Gleeson, ao mais pegajoso overacting, no caso de Barry Keoghan. O cenário que Martin McDonagh prepara para seus elencos é muito convidativo, permitindo uma superatuação em chave caricata num contexto de seriedade dramática, e poucas iscas para votantes de prêmios podem ser maiores que esta.

 
 
 
Nota do Crítico
Regular