Desesperada, Lee Israel encontrou na mentira a sua verdade. Biógrafa que chegou a ter livros na lista dos mais vendidos do New York Times, ela tentou seguir o caminho correto, mas ninguém queria mais escutá-la. Quando combinou o seu senso de humor e conhecimento histórico para forjar cartas de celebridades, uma nova porta se abriu (e um bom dinheiro começou a entrar).
Poderia me perdoar? (Can You Ever Forgive Me?), a adaptação ao cinema das suas memórias como falsária, é uma jornada que usa celebridade e anonimato como unidades de medida para a valorização do talento. Enquanto Lee Israel a sua palavra não tinha importância, como a comediante Fanny Brice passava a ser artigo colecionador. Escrito por Nicole Holofcener e Jeff Whitty (baseados no livro da própria Israel) e dirigido por Marielle Heller, o filme define assim seu tom estético e narrativo. Desprovidos de qualquer glamour aparente, a importância dos protagonistas reside sob uma descrição de ruína, entre roupas velhas, jazz suave, apartamentos imundos e tipos aquém de qualquer padrão de beleza.
Nesse sentido, ainda que a caracterização de Melissa McCarthy seja marcante, a atriz não é dominada por trejeitos físicos e maquiagem (ou falta de). Em um primeiro momento é possível lembrar de Megan, a personagem de Missão Madrinha de Casamento que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. O que se vê na prática, porém, é a capacidade da atriz de dar camadas e mais camadas à Israel, usando a aparência como condutor não como estrutura. O mesmo faz Richard E. Grant, que dá vida a Jack Hock, o amigo e auxiliar de Lee Israel em seus trambiques literários. Alívio cômico na superfície, seu charme irônico prova ser o mecanismo de defesa do talentoso fracassado, não mera desculpa para adicionar leveza à história.
Com 1h46min, Poderia me perdoar? é sobretudo um filme agradável, cujo potencial é multiplicado pelo carisma do elenco. Mal-humorada, emocionalmente mal resolvida e sem qualquer apego a própria aparência, McCarthy faz de Lee Israel a anti-heroína perfeita do artista subestimado. De certa forma, trata-se de uma história de vingança. Seu talento e inteligência se tornam matéria-prima de um golpe motivado pelo desprezo. Quando mais enganava os intelectuais de nariz empinado, mais ela se divertia, mais ela se libertava.
Assim, ainda que o título sugira culpa, há mais orgulho do que arrependimento na história de Israel. Às vezes, a mentira é uma forma de moldar a realidade, tornando-se conveniente para o mentiroso e para o enganado. Era o caso das suas falsificações, tão boas que aceitá-las era melhor do que a tristeza de reconhecer o quão sem graça a verdade pode ser.