Logo no início de Carga Explosiva - O Legado, o motorista Frank Martin (Ed Skrein) ensaia um discurso existencialista diante de um grupo de capangas que cercam seu moderníssimo Audi S8. “Daqui a pouco, esses carros começam a andar sozinhos. Fico imaginando até quando vão precisar mais de um cara como eu”, indaga o personagem aos bandidos, só interessados em roubar o veículo.
É a deixa para você imaginar (e lamentar) que o reboot com o ator de Game of Thrones no lugar de Jason Statham vai adotar um tom mais grave e reflexivo. Para nosso alívio, o protagonista fica pensativo só por alguns segundos até negar seu raciocínio anterior (“sempre vão precisar de caras como eu”) e, em seguida, encher os inimigos de porrada e sair ileso do estacionamento.
A cena, em tom de piada, sintetiza o filme, que é quase um pedido de desculpas de Luc Besson e Robert Mark Kamen pela tentativa de deixar a franquia mais séria em Carga Explosiva 3. Sem o seu maior trunfo (Statham), a cinessérie recomeça com cara de filme B, abraçando a falta de compromisso com a realidade nas cenas de ação.
A história, mais uma vez, é o que menos interessa: Martin é novamente pré-estabelecido como o competente e discreto motorista que segue à risca seu código de conduta até quebrá-lo num trabalho para a femme fatale Anna (Loan Chabanol), uma prostituta que planeja, com três de suas colegas, se vingar de seu cafetão ao roubar toda a sua fortuna.
Longe de ter a presença de Jason Statham, Ed Skrein tenta colocar mais classe em sua versão de Martin e até se esforça nas cenas de luta - a sequência na qual ele usa gavetas para atacar chama a atenção - mas, de forma geral, fica aquém de seu antecessor. Não por ser ruim, mas sim porque é quase injusto competir com Statham, um ator nascido para este tipo de filme.
Felizmente, Besson sabia o quão difícil seria substituir Statham e, por isso, relegou o protagonista a um segundo plano em diversos momentos, fazendo do motorista um coadjuvante das garotas em seu plano de roubo e até do próprio pai, Frank Martin sênior (Ray Stevenson), um personagem canastrão do início ao fim: no começo do filme, ele acaba se aposentar como gerente de vendas da marca de água Evian - claro, um emprego de fachada para a sua carreira como espião ao redor do mundo.
Nos personagens (os vilões são gloriosamente genéricos) e nos diálogos, percebe-se a mão do diretor Camille Delamarre, que já havia trabalhado com a dupla Besson e Kamen na edição de Carga Explosiva 3 e Busca Implacável 2. Delamarre traz de outro de seus filmes, 13º Distrito, a total falta de pudor em abusar de convenções dos filmes de ação clássicos de forma descompromissada, mas sem cair na paródia.
Afinal, o que importa são as cenas de ação, e, nisto, O Legado não decepciona, com sequências envolvendo carros retirando tampas de hidrante, corridas num lobby de aeroporto e pessoas pulando de um jet-ski direto para a janela de um jipe. É ridículo? Sim. Mas também é Carga Explosiva de volta a sua melhor forma.