Desde sua estreia nos quadrinhos do Monstro do Pântano, John Constantine é um personagem cuja popularidade só cresce com o passar do tempo. Após chamar atenção como coadjuvante, John ganhou uma revista própria, Hellblazer, que se tornou um dos títulos mais cultuados da Vertigo (selo adulto da DC Comics) por abordar a temática do horror de forma mais urbana e visceral. O grande apelo do personagem gerou diversas tentativas de levá-lo para outras mídias, mas desde o polêmico filme estrelado por Keanu Reeves até a finada série da CBS, o ocultista mais canalha das HQs nunca ganhou uma tradução fiel a sua essência. Com o claro propósito de ouvir a súplica dos fãs, Constantine: Cidade dos Demônios se distancia das demais produções ao apostar em aspectos até então inéditos ao universo animado da DC, investindo em um horror visceral.
Quando Trish entra em um misterioso coma com indícios de magia negra, Chas recorre a John Constantine, que interrompe sua rotina de ressacas para ajudar a salvar a alma da filha seu grande amigo. Anos após um traumático evento também causado por forças ocultas, Constantine e Chas desembarcam em Los Angeles para salvar a garota antes que seja tarde demais. No quesito desenho animado, as produções baseadas nos heróis da DC dificilmente desapontam. Conduzidas por nomes ligados aos quadrinhos, as animações aproveitam grandes arcos dos gibis e traduzem com fidelidade a atmosfera das obras originais. Cidade dos Demônios tem roteiro de J.M. DeMatteis, que além de autor de A Última Caçada de Kraven, um dos maiores clássicos do Homem-Aranha, é também um dos roteiristas da casa na Warner, tendo trabalhado na maior parte das séries animadas com foco em heróis do estúdio. A familiaridade de DeMatteis com ambas as mídias fica evidente na forma como a trama conduz a tensão de forma crescente, se tornando cada vez mais imersiva ao convidar o espectador a fazer parte da investigação.
Desde o cancelamento do seriado de 2014, o ator Matt Ryan deu vida ao Constantine em diversas ocasiões, desde aparições no Arrowverso até a dublagem do filme animado Liga da Justiça Sombria. Embora o ator reprise o papel na dublagem original, Cidade dos Demônios não poderia estar mais isolada de qualquer outra produção relacionada ao personagem. O filme retrata Constantine de forma crua, um canastrão com um bom coração, apesar de suas atitudes egoístas e asquerosas, e embora nunca o tenha escrito nos quadrinhos, DeMatteis usa como base duas das mais icônicas histórias de Hellblazer para o filme: Newcastle e Poder Infernal. Ao mirar na essência do personagem, o filme apresenta em cerca de 90 minutos temas recorrentes nos seus mais de 30 anos de existência, como tragédia e redenção.
Porém, se o roteiro busca na inovação seu sucesso, visualmente o filme se mostra limitado ao seguir a cartilha das animações da DC sem muita surpresa. Ambientado no atual universo animado que teve seu início em Liga da Justiça: Guerra, de 2014, Cidade dos Demônios segue o mesmo padrão visual dos demais filmes. Embora não seja mal feito, o trabalho artístico não acompanha as possibilidades trazidas por uma trama que utiliza uma censura alta (16 anos) a seu favor. Se o filme incorpora o horror graficamente ao abraçar o gore e até mesmo pequenas doses de humor escatológico, um visual mais sombrio e experimental não só cairia como uma luva, como faria jus à liberdade para lidar com a carga sombria que o personagem requer.
Originalmente, Cidade dos Demônios foi lançado pelo serviço de streaming CW Seed como uma websérie, mas após cinco episódios, aproximadamente metade da história, o título foi transformado em um filme, que agora chega às plataformas online. É possível que Constantine tenha encontrado na animação sua melhor tradução fora dos quadrinhos, em um universo que entendeu que, apesar de ser cheio de deuses e alienígenas, talvez um canalha cheio de truques também possa salvar o dia.