Questiona-se frequentemente a insistência do cinema brasileiro em manter-se dentro de determinados gêneros. Comédias, romances, dramas, documentários e policiais dominam o panorama. Onde está a produção mainstream de filmes de ação? Ficção científica? Terror? Suspense?
Besouro
Besouro
Besouro
João Daniel Tikhomiroff, o brasileiro mais premiado no Festival de Publicidade de Cannes (são quase 50 Leões), encarou o problema de frente e realizou, em seu primeiro longa-metragem, uma das mais ambiciosas produções nacionais, Besouro.
A trama conta a história do maior capoerista de todos os tempos, Besouro, interpretado por Ailton Carmo. Depois que o mestre que o colocou nas primeiras rodas de capoeira é assassinado a mando do coronel local (Flavio Rocha), Besouro inicia uma luta contra a cultura escravocrata que ainda predominava no Recôncavo Baiano em plenos anos 1920.
Gravado em Igatu (BA), na Chapada Diamantina, o filme é uma adaptação livre do livro Feijoada no Paraíso, de Marco Carvalho. A trama mistura fatos com mitologia afrobrasileira, o universo dos Orixás. O cenário sobrenatural serve de ótima desculpa para feitos sobre-humanos em lutas e sequências de visões. Para viabilizar o registro de combates à la Tigre e o Dragão (com direito a corrida sobre as árvores e velozes golpes flutuantes) foi contratado o chinês Huen Chiu Ku - o mesmo que coreografou o filme de Ang Lee e Kill Bill de Tarantino.
Chamar especialistas estrangeiros para resolver desafios de filmagens é algo pouco comum no nosso cinema - mas trivial em Hollywood. Veterano publicitário, acostumado com prazos apertados, colaborações e efeitos especiais, Tikhomiroff não tem aquele orgulho desnecessário de boa parte dos cineastas locais. Assim, capoeiristas são pendurados para lutar em cabos que no passado encantaram o mundo em filmes como Matrix.
Para um primeiro esforço do cinemão brasileiro nesse sentido, Besouro é louvável. Um primor de estética. No entanto, problemas de roteiro o impedem de tornar-se uma aventura realmente memorável. O dispensável triângulo amoroso é o maior deles. Tikhomiroff o defende alegando que "todo o herói precisa de um amor". Mas não seria o amor de Besouro seu povo? A personagem Dinorá (Jessica Barbosa), criada para o filme, é interessante - sua cena de vingança é uma das mais empolgantes -, mas é ao lado do amigo de Besouro (e depois antagonista) Quero-Quero (Anderson Santos de Jesus) que ela funciona melhor, até pela novidade de termos um herói sem romance, comprometido com sua luta.
Besouro é também vítima de seu próprio alarde. Astro do Kung-Fu preparando as coreografias, 10 milhões de reais de orçamento... Esperavam-se muito mais cenas de luta e grandiosidade. Mas no final o herói é muito mais contemplativo e relutante que atuante de verdade. Isso não deixa de ter seu apelo, claro, com a influência de Besouro despertando em seu povo o espírito de luta. Mas já que foi vendida como um filme de super-herói, de ação, faltou à produção a indispensável catarse heróica - o confronto final, o muque na cara. O protagonista se prepara, comunga com os deuses, veste seu "uniforme"... e nada.
Há certas regras que definem o cinema de gênero. Besouro é corajoso ao buscar novas, mas isso limita seu apelo. A jornada do personagem resulta deficiente, seu martírio sem glórias. De certa maneira, ao enfrentar o marasmo do cinema nacional, Tikhomiroff é mais herói que seu retratado.
Assista
ao trailer
Saida onde o filme
está passando