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Crítica: Os Inquilinos

Sérgio Bianchi volta a medir a hipocrisia da classe média, mas agora com olhar mais rousseauniano

25.02.2010, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H59

Enquanto rodava festivais, o novo filme de Sérgio Bianchi, Os Inquilinos, tinha como subtítulo ou Os Incomodados que se Mudem. A expressão popular adquire ao longo do filme sentidos diferentes, ora sarcástico, ora resignado. Aos incomodados só resta mesmo se mudar?

os inquilinos

os inquilinos

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Válter (Marat Descartes) é um deles. Vive com sua mulher e dois filhos em um bairro paulistano de classe média baixa, perto da favela, sempre em sobressalto. A situação fica insuportável quando a vizinha aluga um quarto para três jovens suspeitos. Os personagens hipócritas de Bianchi sempre vivem sob a máxima sartreana de que "o inferno são os outros", e com Válter não é diferente.

Estamos numa mistura de Faça a Coisa Certa com Estranhos Vizinhos, em resumo.

O que separa Os Inquilinos de outros filmes do diretor, como Cronicamente Inviável e Quanto Vale ou É por Quilo?, antes de mais nada, é um olhar mais solidário, mais Rousseau, das falhas dos personagens. Ninguém é mau porque nasceu assim (ideia que Válter discute com a filha durante um jantar), mas por influência do meio (também conhecido por Datena). Em certo momento, ouvimos uma briga do lado de fora de uma casa e, quando a câmera entra, descobrimos que vinha da televisão.

Outra vantagem em relação aos trabalhos anteriores de Bianchi é a concentração. O diretor frequentemente cede à tentação de tecer comentários sobre diversos assuntos de cunho social, o que tira o foco de suas histórias, mas em Os Inquilinos a epidemia de temas, ainda que presente (vai de erotização infantil a precariedade trabalhista), é mais contida.

Permanece, no entanto, a obsessão - ademais bastante presente no cinema da Retomada - de colocar a tese na frente da trama. A quantidade de cenas funcionais, planejadas para problematizar a questão da percepção da violência, como os momentos no supletivo, enfraquecem o filme porque, pra usar outra expressão popular, colocam a carroça na frente do boi.

Bianchi não precisaria forçar a mão nos diálogos-discursos. Sua direção de atores e seu olhar são bastante apurados para enxergar sentido em situações banais do dia-a-dia, seja na forma como a mãe arruma o cabelo da filha com um zelo até agressivo, seja nos olhares que ela dirige ao marido (o sorriso de Anna Carbatti pelo vitrô quando Válter entra na casa vizinha é fortíssimo).

Existe ali um tema interessante (entre tantos), que não se verbaliza e fica o tempo todo nas entrelinhas: a necessidade de Válter, o branco careca no meio de negros atléticos, de se reafirmar como o macho alfa, o cão de guarda.

Na superfície, então, temos a ideia de que há humanidade em meio ao mundo cão (a árvore que sobrevive no morro) mas o medo afasta mais as pessoas do que a violência em si (a diáspora no final). Tudo o que Bianchi sugere, mais ou menos acintosamente, entre esses dois extremos também tem valor.

Saiba onde o filme está passando

Nota do Crítico
Bom