Cheryl tem poucos embates com homens em A Garota da Vez, mas em cada um deles parece que Anna Kendrick tenta transmitir um sentimento diferente sobre a posição de uma mulher em uma sociedade machista como a que vivemos. Primeiro ela engole ofensas gratuitas em um teste para atriz, depois se sente mal por rejeitar uma investida num bar, em seguida fica apavorada por estar a sós com um homem num estacionamento à noite. Em nenhum momento há parada na trama para explicar a dor que Cheryl e todas as outras mulheres atacadas pelo serial killer Rodney Alcala sentem, não há monólogo, não há lições de moral — isso porque não é necessário. O pavor e a opressão estão refletidos nos olhares de cada uma delas, e não só das vítimas, mas também das mulheres ao redor delas, quase todas em busca de uma luz num mundo que só as vê pelo que há no exterior.
O filme, que marca a estreia de Kendrick na direção, conta a história de Alcala por meio de recortes de tempo entre suas vítimas, que segundo estudiosos, podem chegar até a 130 — todo o longa se passa em diferentes anos da década de 1970. Cheryl, porém, está no centro da narrativa como uma jovem que sai de Nova York em busca do sonho de viver como atriz em Hollywood. Estudiosa e consciente dos próprios talentos, ela passa boa parte do filme fora do escopo do assassino, como um retrato mais cru e realista, sem a necessidade da ameaça para comprovar quão complicado é se desvencilhar do caráter subserviente que a sociedade impõe à mulher.
Seja pela futura atriz ou pelas jovens que cruzam o caminho de Alcala, todas compartilham de forma explanatória frustrações e uma solidão característica das vítimas de serial killers como Alcala. Daniel Zovatto, que vive o antagonista, não chega a ser ameaçador ou impõe qualquer tipo de medo, esvaziando por vezes a tensão que Kendrick tenta dar à trama. Todavia, não é esse o intuito do roteiro, que diferente das produções atuais neste gênero que atrai tanta audiência nos dias de hoje, pois ele simplesmente se nega a conversar sobre as motivações de um cidadão capaz de tamanha atrocidade - não que o assunto não seja motivo de curiosidade, só não é o foco do texto de Ian McAllister McDonald.
Negar ao espectador os momentos de agressão e violência física tornam A Garota da Vez muito mais forte do que se o sangue jorrasse na tela. A decepção com a qual Cheryl lida com as consequências de seu brilhante texto na cena do “The Dating Show”, que cabe em absolutamente qualquer situação semelhante nos dias de hoje, soa tão amedrontador e decepcionante quanto a violência em si. Independente da situação, a sensação de prisão e impotência é o maior impacto do filme, que tem, para além de Alcala, a própria sociedade como mantenedora de práticas feitas para oprimir mulheres.