"Gosto mais de ser interpretado do que me explicar", diz Tony Ramos no papel de Getúlio Vargas em Getúlio, filme que reconta os últimos dias do ex-presidente da República. A fala é uma das pistas de que o trabalho do diretor João Jardim busca o subtexto - no caso, uma interpretação específica, que faça a ponte entre a crise que antecedeu o suicídio de Getúlio com a crise institucional do Brasil de hoje.
getulio
Funciona como um thriller de intriga palaciana a trama que sucede o atentado a Carlos Lacerda (Alexandre Borges) em agosto de 1954, que coloca o governo de Getúlio em dúvida e cria uma instabilidade entre militares e civis. A intervenção do exército é incentivada por muitos e parece iminente. Não seria o primeiro nem o último golpe militar a vitimar uma Constituição federal, e o filme trata a morte do presidente como um martírio em nome do legalismo.
Evidentemente a relação imediata é com o golpe militar e com a ditadura de fato, que completou 50 anos em 2014, e enquanto filme que mistura a Solidão do Poder com os fantasmas da história (os planos do lustre do Catete, os militares pintados na parede, os pesadelos de Getúlio com a tropa invadindo o palácio, e as algemas, esse símbolo de maus-tratos), Getúlio funciona bem como cautionary tale, como assombração.
São os nomes e as situações que ecoam até hoje, porém - como a Petrobras encarada como tesouro nacional em perigo, ou o fato de Getúlio não-saber-de-nada (mensalão, alguém?) -, que acabam dando à museologia de Getúlio um outro peso, mais grave. Embora hoje, em tempos de pragmatismo político, pareça muito teatral toda a rixa Getúlio-Lacerda e mesmo o sacrifício do presidente, é inegável que a responsabilidade da presidência da República continua a mesma, e é esse o peso que o filme consegue medir.