A velocidade parece ser um excelente ponto de partida para que Gran Turismo: De Jogador a Corredor atraia e convença seu público. Por meio dela, o filme dirigido por Neill Blomkamp não dá espaço para déficits de atenção, não coloca em evidência suas limitações de roteiro, não permite, enfim, que o espectador tenha muito tempo para avaliar se esta adaptação ao cinema da franquia do PlayStation criada há 25 anos tem fôlego mesmo para ser um Velozes e Furiosos da geração dos esportes digitais.
A celeridade da narrativa é dada logo de cara com uma apresentação sem cerimônia e alguns saltos temporais. Orlando Bloom interpreta um executivo de marketing da Nissan que tem a ideia de rejuvenescer a marca, e para isso propõe montar uma academia onde jogadores de Gran Turismo podem ter a oportunidade de disputar corridas reais. O filme se ocupa até onde consegue da problemática de que é uma temeridade tirar os jovens do simulador e colocá-los num cockpit de verdade; o papel da voz da razão é feito pelo engenheiro e ex-piloto que David Harbour interpreta com o máximo do seu carisma.
Da caracterização superficial dos personagens às escolhas de exposição que resumem informações à interface de tela (não só posições no grid e dados técnicos como também as passagens de tempo narrativo, cada vez mais largas e frequentes), tudo no filme é ditado pela agilidade. Blomkamp nunca conseguiu dirigir filmes suficientes para honrar a expectativa que Hollywood deposita sobre ele, mas o diretor de Distrito 9 (2009) sem dúvida fez sua lição de casa assistindo aos filmes que, nos últimos 15 anos, souberam priorizar nas suas narrativas uma dinâmica cinética e funcional baseada na ação, de Gamer (2009) e Drive (2011) aos filmes de John Wick.
O que Gran Turismo tem de mais interessante vem justamente da superficialidade dessas escolhas: tudo parece um grande ponto de venda, o equivalente em longa-metragem daqueles comerciais de 60 segundos que precisam convencer o consumidor com uma fala rápida e movimento incessante. Em nenhum momento o filme esconde esse propósito, e nesse sentido ele está bem próximo de Barbie na franqueza com que tenta conciliar internamente seus interesses - assumir a frieza da publicidade e ao mesmo tempo convencer o espectador da verdade dos seus ideais de sonho e realização. A transparência e a energia na forma como Gran Turismo ostensivamente vende a si mesmo são o motor do filme.
Talvez sejam o único, porém. Porque de resto as estratégias de Blomkamp para acelerar as coisas e tratar a narrativa como um dínamo pega pouca tração ao longo de Gran Turismo. O arco do protagonista Jann (Archie Madekwe) é derivativo demais para que a empatia engate de fato. (Ainda vai aparecer um filme em que os britânicos não tenham pesadelo de viver uma vida de operário; Billy Elliot segue fazendo escola.) Já a encenação das corridas é picotada e cosmetizada demais para que adquira urgência e fisicalidade. (Gran Turismo atesta tristemente aquela máxima de que filmar com drones tira a vida de qualquer cena, e por enquanto só o Ambulância de Michael Bay parece mesmo ter desviado dessa regra.)
É uma novidade bem-vinda que Blomkamp - depois de projetos frustrados em anos recentes, como sua intenção de realizar uma continuação de Alien - tenha invertido totalmente o sinal do seu cinema. Saíram as ficções científicas que se carregavam de platitudes políticas a título de construção de mitologia, e agora entra este filme onde toda “mitologia”, se é que dá pra chamar assim, só existe em função de uma recompensa muito imediata de adrenalina e pose. Essa inversão de sinal não chega, porém, sem muitos engasgos. O diretor pisa no acelerador mas pouco se fixa em Gran Turismo, porque mesmo a velocidade exige uma certa vocação para a experiência sensorial do frenesi, como ensinaram os filmes de pilotagem de Tony Scott, de Top Gun (1986) e Dias de Trovão (1980) a Incontrolável (2010). Gran Turismo não é ponderado o suficiente para que seus personagens ganhem autonomia, não é estranho o suficiente para que sua publicidade interna se inflame criativamente, e não é clipado o suficiente para que sua pressa passe por estilização.