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A Casa de Cera | Crítica

<i>A Casa de Cera</i>

02.06.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H18

A Casa de Cera
House of Wax

EUA, 2005
Terror - 110 min

Direção: Jaume Collet-Sera
Roteiro: Chad Hayes

Elenco: Elisha Cuthbert, Chad Michael Murray, Paris Hilton, Brian Van Holt, Jared Padalecki, Jon Abrahams, Robert Richard

Em Museu de cera, de 1953, um dos melhores filmes B de todos os tempos, Vincent Price (1911-1993) vive o artista dedicado a criar as figuras do tal museu. Certo dia seu sócio lhe propõe botar fogo no lugar para receber o dinheiro do seguro. Price se opõe, inutilmente. A sequência do incêndio - filmada com esmero pelo diretor húngaro André De Toth (1912-2002) - intercala as feições desesperadas do ator com closes nos rostos de cera, que derretem aos poucos, como lágrimas. Ainda que inanimadas, as estátuas estão vivas para o seu criador. Fica a sensação de que acontece ali uma chacina.

A refilmagem, A Casa de cera (House of wax, 2005), não tem nada disso. Bem, não dessa forma. Um grupo de amigos acampa à beira de uma cidade deserta que esconde, em seu museu todo feito de cera, uma terrível tragédia. É o típico filme de serial killer contra os forasteiros curiosos. Há um incêndio - como deixa claro o trailer - mas ele transmite uma idéia diferente, a de merecido castigo. O fogo acontece quando o escultor foi desmascarado em sua monstruosidade. As figuras que derretem aqui são o inverso das de 1953: são vivas mas não possuem alma, já que não merecem, como objetos da psicopatia do vilão, que curiosamente se chama Vincent, a mesma piedade reservada a Price.

Ora, trata-se de uma síntese dos filmes de terror de homicídios em série, especialmente dos últimos trinta anos. Antes, mesmo o mais engessado Frankenstein tinha direito à redenção. Pois desde Jasons e Leatherfaces temos uma miríade completa de gente que corre e se esgoela, mas não tem, essencialmente, uma personalidade. Cada vez mais o que importa para o terror é fetichização da morte: as vítimas são todas iguais, o que muda é o requinte de crueldade de um assassinato ao outro.

E basta ver Paris Hilton de calcinha vermelha, batendo suas longas pernas finas enquanto corre em vão do assassino, para constatar que A Casa de cera é uma baita homenagem a esse desfile de manequins, a esse fetiche fúnebre que dominou o gênero. Fetiche prioritariamente masculino, vale dizer. Quem nunca quis grudar os lábios da lolita Elisha Cuthbert com super-bonder e contemplar em silêncio seu corpo de mulher crescida que atire a primeira pedra.

Sadismo da ultra-exposição

É como exercício sádico, e bem humorado, que o filme funciona, portanto. Isso porque o diretor espanhol Jaume Collet-Serra, estreante egresso dos clipes e dos comerciais, não poupa a audiência. Dedos cortados, jorros de sangue, closes em vísceras e cerimônias de enceramento - com detalhes macabros à David Fincher - fazem a festa dos fãs do legítimo gore. O cuidado de Collet-Serra na hora de mostrar detalhes da cenografia conserva bem o suspense nos tempos mais fracos, de introspecção. E o pique é aumentado com competência nos tempos fortes, no corre-corre, também graças à trilha sonora pesada, escolhida a dedo.

É fácil reconhecer que há conceito aqui - repare na dualidade dos dois pares de gêmeos - mesmo quando a paródia se insinua. Não daria, mesmo, para fugir da auto-sátira quando se tem aqui uma Paris Hilton disposta a rir dos seus próprios vídeos caseiros. A boa notícia é que ela desfila, faz bico, tira a roupa e some com rapidez suficiente para não comprometer o filme.

Não é a primeira vez que a produtora Dark Castle de Joel Silver e Robert Zemeckis refilma um clássico B - mas é a primeira vez que dá certo. Antes, com A Casa da Colina e Treze fantasmas, contentava-se em dar uma roupagem nova ao original, o que normalmente o banaliza. Pois é justamente quando toma liberdades em relação à fonte que A casa de cera se sai bem. A cena inspiradíssima em que Vincent corta o boneco dos bebês para atravessar a parede é digna dos melhores Bs.

No saldo, a memória de Price sai louvada daqui, ainda que seja presa numa carapaça de cera. Não dá para ser diferente, pensando bem. Faz tempo que o humanismo tétrico de 1953 deu lugar ao sadismo da ultra-exposição, do qual A Casa de Cera é paradigma.

Nota do Crítico
Ótimo