Depois de muita e muita espera, Barry e Lena estão finalmente na cama. Já é de manhã, eles estão descansando no quarto do hotel havaiano e é obrigatória aquela cena da conversa de travesseiro.
Barry: Você é tão linda. Eu te amo tanto que quero destruir sua cara com uma marreta.
Lena: Amo você tanto que quero arrancar seus globos oculares e chupá-los e depois dar um soco nas suas bolas.
(Desculpe por revelar um dos melhores diálogos do filme, mas precisava chamar sua atenção. E não se preocupe, há mais cenas legais de onde surgiram esta)
É esse amor irracional - e qual amor não é? - que Paul Thomas Anderson explora em Embriagado de Amor (Punch-drunk love - 2002), seu quarto filme.
Depois de realizar duas obras essenciais do cinema dos anos 90, Boogie Nights e Magnólia, o diretor e roteirista californiano resolveu fazer um filme com o... Adam Sandler. O quê?! Aquele cara que só faz adolescente americano rir com desperdícios de película como O Rei da Água e O Paizão?! Sim e não. O ator é o mesmo, mas o resto é bem diferente.
Embriagado de amor não deve ser encarado como mais um filme do Adam Sandler, mas sim como um novo trabalho de P.T. Anderson (como os amigos o chamam) - o que é infinitamente ao cubo melhor. Sandler finalmente ganhou um papel de verdade e sua excelente interpretação como o inconstante Barry Egan lhe rendeu um merecido Globo de Ouro.
(Eu tinha que fazer você acreditar que o filme não é ruim só por ter o Adam Sandler. Agora, vamos à história.)
Barry Egan é um empresário dos arredores de Los Angeles que vende desentupidores especiais. É uma ovelha negra entre suas sete irmãs, que o fizeram crescer como um adolescente desajustado e um adulto cheio de problemas. Ele tem crises (de choro ou de raiva destruidora) com o mínimo estímulo, mas agora está numa boa fase. Resolveu trabalhar de terno todos os dias e descobriu uma falha na promoção de um fabricante de alimentos, que dá bônus de milhagens para uma companhia aérea. Através de uma brecha no regulamento, ele pretende ganhar milhas suficiente para passar o resto de sua vida viajando de graça.
Enquanto tenta se livrar dos fantasmas de uma noite solitária em que acaba pendurado num serviço de tele-sexo, Barry finalmente vê uma possibilidade de ter uma vida feliz. Tudo começa quando ele decide dar uma chance à bela Lena (interpretada pela talentosa Emily Watson), pretendente arranjada por uma de suas irmãs.
Os segredos do amor
O roteiro começou a ser escrito depois que Anderson leu a história real deste norte-americano que ganhou milhagens infinitas comprando pudim, mas desta vez sua narrativa não é tão complexa quanto a monumental teia de personagens criada em Magnólia. Porém, a forma como foi feito rendeu a Paul Thomas Anderson o prêmio de melhor diretor em Cannes - enquanto o Oscar o ignorou mais uma vez. Seu cinema é realista, direto, sem ênfases, muita câmera na mão, com longas tomadas nas quais corre atrás dos personagens. Há, porém, cenas de destaque em que ele se deixa levar pelas emoções - a mais interessante é quando Barry e Lena se reencontram, no Havaí. A seqüência é bela como aqueles filmes românticos dos anos 50.
Outros importantes elementos são a fotografia (ora estourada, ora escura), o uso das cores e do som. Como em Magnólia, a trilha sonora de Jon Brion é importantíssima e praticamente o único elemento a dar ritmo ao filme. Há cenas sufocantes, em que os ruídos deixam as vozes inaudíveis e que rendem as melhores interpretações de Sandler.
Outro habitual companheiro de Anderson que dá as caras é o sempre ótimo Philip Seymour Hoffman. E falar mais sobre seu personagem poderia estragar sua sutileza. Por isso, vou shut the fuck up.
Paul Thomas Anderson é um diretor diferenciado. Talentoso, cuidadoso e sem medo de apostar alto. Espero os filmes dele com idolatria. Afinal, quem mais consegue fazer um filme pornô ganhar status cult? Quem tem coragem de colocar Tom Cruise num papel secundário e fazer chover sapos? Quem mais consegue fazer uma comédia romântica decente hoje em dia? Quem consegue transformar Adam Sandler num ator de respeito?