Não é preciso ter aracnofobia para sentir incômodo durante as cenas mais intensas de Infestação, o terror de aranhas do francês Sébastien Vaniček agora em cartaz no Brasil. Situado num prédio que passa a acomodar centenas, senão milhares de aranhas, depois que um de seus habitantes, desavisado, adquire um espécime raro no mercado underground, o filme tem uma qualidade acima de tudo: colocar em tela encontros profundamente agonizantes entre humanos e aracnídeos.
A princípio pequenas e não necessariamente hostis, as criaturas de seis patas são as verdadeiras protagonistas do longa, eventualmente desafiando qualquer noção de realismo com seu tamanho e atraindo nossa atenção mais do que o humano no centro da história, Kaleb. Vivido por Théo Christine com carisma o suficiente para justificar o tempo de tela mas não para fugir dos arquétipos aplicados ao jovem, cuja coleção de aranhas, cobras e outros animais ardilosos só não é maior do que a de tênis, e é vendendo Air Jordans e Yeezys que ele se sustenta no apartamento da mãe, parte de um grande e antigo edifício na França.
Ao longo do filme, subimos e descemos os andares da construção enquanto os vizinhos, aos poucos, descobrem a existência de sua nova praga e as autoridades invadem o local para tentar evitar um desastre maior. No processo, conhecemos as dinâmicas dos habitantes. Há o aspirante a rapper, o traficante local, as crianças bagunceiras, a idosa amada por todos e o racista detestado por todos, mas depois de apresentá-los, o roteiro de Vaniček e Florent Bernard pouco faz com esses moradores, no máximo oferecendo uma morte trágica ou satisfatória para alguns deles, tipicamente previsíveis e salvas inteiramente pelo quão nojentas algumas delas podem ser. O problema é agravado por quão pouco a direção agrega ao visual impactante da locação.
Grandes filmes de edifícios (sejam eles de terror, como [REC] ou A Morte do Demônio: A Ascensão, ou clássicos de outros gêneros, como Operação Invasão e Duro de Matar na ação), precisam de um bom olhar para geografia e arquitetura, criando um mapa mental de como aqueles corredores, escadas e varandas se conectam, onde há perigo em potencial e por onde podem existir rotas de fuga. Vaniček não o faz, e por mais que a fotografia Alexandre Jamin transforme estacionamentos e apartamentos vazios em belos campos de terror, sempre sugerindo um mundo de horrores nas sombras das paredes mal iluminadas, o resultado é que falta o senso de progressão na jornada dos personagens em busca de uma saída. Eles parecem estar só correndo em círculos até que o filme decida que chegou a hora de um grande final.
Felizmente, o passeio ainda é bem divertido. Vaniček tem um baú aparentemente infinito de ideias de como atiçar e aterrorizar o público com a presença das aranhas. A primeira vítima de uma delas vem numa cena que faz uso criativo dos tênis vendidos por Kaleb. Depois deste momento, um destinado a fazer você querer checar seus sapatos antes de calçá-los, há a grande sequência de Infestação, quando os amigos de Kaleb enfim se deparam com uma das aranhas, e quando a câmera de Vaniček adiciona ao filme uma bela dose de claustrofobia. Nos sentimos presos naquele banheiro, e por sabermos mais que os personagens naquele ponto da história, a situação fica desesperadora.
Daí em diante, Infestação dobra a esquina da loucura e eleva gradativamente não só o tamanho das pernas dessas aranhas, como os riscos de andar pelo prédio. Por mais que nada supere a cena do banheiro, Vaniček diverte com a variedade de uso dos animais, de suas teias e particularmente dos seus sons, e Infestação é melhor quando abraça com força a breguice do legado do cinema de animais assassinos. O tempo todo aguardamos o momento em que veremos uma aranha grande demais, e quando este vem, o filme acerta em cheio.
Mas Vaniček insiste numa seriedade que, francamente, não parece empolgá-lo tanto quanto o trash. Em especial com a tentativa de comentar sobre desigualdade de classe e violência policial na França, que leva o longa para uma sequência climática que destoa de toda a obra (exceto pela supramencionada aranhona) e um final mais barulhento do que memorável.
A ideia é nobre, e se fosse melhor executada, talvez Infestação beirasse à grandeza como terror. A experiência ainda é marcante, mas mais como uma coleção de cenas intensas que, devido aos personagens pouco interessantes e à direção irregular, não tem uma boa costura.