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Crítica

Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum | Crítica

Irmãos Coen criam odisseia do fracasso para contar história da música folk na década de 60

20.02.2014, às 18H32.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Llewyn Davis é um fracassado. No frio inverno da Nova York de 1961, ele vaga pelas ruas do Greenwich Village sem casaco, sem dinheiro e sem destino. “Filmes sobre sucesso já foram feitos”, explica Joel Coen sobre o fascínio que ele e Ethan Coen têm por tipos malogrados, frequentemente protagonistas dos filmes dos irmãos.

Inside Llewyn Davis

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Para contar a história da música folk no icônico bairro nova-iorquino - de onde saíram Bob Dylan, Joan Baez, Phil Ochs, entre outros - os irmãos escolheram seguir a vida do homem que nunca deixou o Village. Figura fundamental da música norte-americana, Dave Von Ronk emprestou suas “memórias póstumas” aos Coen, que tomaram cenas da época e seus personagens para criar Inside Llewyn Davis -  Balada de Um Homem Comum.

Há pouco de Von Ronk dentro de Llewyn Davis, porém. Os Coen estavam mais interessados em criar a sua própria epopeia do que em se comprometer com uma cinebiografia. Oscar Isaac, que faz jus ao melhor papel da sua carreira até então, abre o musical com “Hang Me, Oh Hang Me”. “Se não é nova e nunca fica velha é uma canção folk”, justifica em autodesprezo. É o tom que personagem manterá ao longo do filme. Uma arrogância misturada ao desdém de quem não quer estar lá, mas não sabe para onde ir. Ele nunca se compromete, nem com a música, nem consigo mesmo. O gato, que o desperta algumas cenas depois, é a sua relação mais profunda, ainda que por acidente, e será o condutor do seu desenvolvimento emocional.

Por escadas e corredores estreitos, o músico sem-teto busca abrigo e se depara com a capacidade dos diretores/roteiristas de construir personagens complexos em poucas falas. Cada figura em cena tem participação pontual na trajetória do protagonista e, por suas personalidades, vão revelando o “interior” de Llewyn Davis. O desprezo de Jean (Carey Mulligan) incorpora a rejeição do músico a si e aos outros, Troy Nelson (Stark Sands), o militar caipira de fala mansa é o autêntico folk que ele jamais será, e Jim (Justin Timberlake) tem tudo o que ele não tem - Jean, uma casa e contatos na gravadora Columbia. O caquético empresário (Jerry Grayson) e sua igualmente caquética secretária (Sylvia Kauders) mostram como Llewyn se tornou obsoleto (em alguns dos melhores diálogos do filme); os abastados Gorfein (Ethan Phillips e Robin Bartlett) são seu lado intelectual/elitista; Roland Turner (John Goodman, na sua sexta colaboração com os Coen e em um papel que merece uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) expressa toda a pretensa superioridade de quem, mesmo no fundo do poço, ainda se julga melhor do que os outros.

Com produção musical de T-Bone Burnett (também responsável pela excelente trilha de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?) e Marcus Mumford (Mumford and Sons), Inside Llewyn Davis usa canções folclóricas e composições eruditas (Mozart, Chopin, Mahler e Beethoven) para conduzir a narrativa. Como em um musical tradicional, a música por vezes assume o espaço de diálogos e revela a história dos personagens - como quando Llewyn confronta o pai no asilo ou quando, na frente do empresário que poderia mudar a sua vida, ele escolhe tocar a canção menos vendável possível, “The Death of Queen Jane”, uma balada folk sobre a morte durante o parto.

A gravação de “Please Mr. Kennedy” é outro momento importante. Desesperado, Llewyn aceita gravar uma canção mais comercial com Jim. No alto do seu pedestal, discute arranjos, questiona a letra sobre a corrida espacial e consegue mais um sofá para dormir, o de Al Cody (Adam Driver), outro músico frustrado pela vida. Terminada a sessão, ele mais uma vez não se compromete e abre mão dos royalties do provável sucesso para receber o dinheiro na hora.

Apesar dos personagens melancólicos e da atmosfera lúgubre - em uma paleta feita apenas de cores frias, salvo o caramelo alaranjado do gato e da roupa que Jean usa no palco - Inside Llewyn Davis é um filme para se ver com um sorriso no rosto. Com belas canções e um texto impecável - aos olhos dos cineastas, o fracasso não é apenas mais interessante, mas muito engraçado - os Coen criaram a fantástica odisseia de um homem que não tem para onde voltar.

Nota do Crítico
Excelente!