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Um terço da população da Califórnia tem origem latina. Os herdeiros da língua hispânica que entram ilegalmente no país - e que para os estadunidenses são todos chicanos - custam ao serviço social da Califórnia centenas de milhões de dólares. Acontece que produzem, em contrapartida, incontáveis bilhões com sua mão-de-obra barata. Não é difícil prever o que acontecerá nas 24 horas em que o sonho dos xenófobos se realiza, como mostra o filme Um dia sem mexicanos (A day without a mexican, 2004). Será o colapso total.
A trama acompanha alguns estereótipos: o roqueiro tipo latin lover casado com a loira nativa típica; o senhor de meia-idade que cata laranjas e atira em cobras na fazenda do chefe; a repórter de TV que precisa reforçar o sotaque latino para se enquadrar. Entre um porto-riquenho sexy que se deu bem no showbiz e um pobre coitado que corre da Imigração, há um leque de pessoas que defendem ou atacam a mexicanização da Califórnia.
O problema é que todos eles - desde o senador patriota até o policial negro da fronteira - não esperavam o caos que se instalou no momento em que os latinos começaram a sumir. Desaparecer, literalmente, enquanto uma estranha névoa pegajosa começa a cobrir todos os limites do estado. Ficar sem comunicação com o resto do país nem é tão ruim. Difícil é viver sem garçonetes, lavradores, lavadores de carro, babás, lojistas, balconistas, quitandeiros, agricultores, pintores, pedreiros, apresentadores da previsão do tempo.
Conformismo
É com essa premissa que o diretor Sergio Arau tenta abrir os olhos dos Estados Unidos: pare de reclamar da suposta "invasão" do país e perceba que ele desmorona sem os imigrantes. Entre um som latino e outro de grupos como o engajado Molotov, o filme tira sarro da inépcia dos gringos. Ao mesmo tempo, neste seu flerte com o Realismo Fantástico, coloca a pergunta: onde foi parar todo mundo?
Uma piada interessante, sem dúvida. Mas, como toda piada, precisa de alguém que saiba contá-la. Arau já havia transformado a idéia em um curta homônimo, de 1998. Na passagem para o longa-metragem, fica evidente que Um dia sem mexicanos tem menos fôlego do que deveria. Prejudica o seu andamento o apego de Arau às firulas de edição e aos recursos digitais mais básicos, como inserir a cena dentro de uma televisão, para dar a impressão de que acompanhamos toda a cobertura jornalística do sumiço. Isso funciona uma vez, duas, não o tempo todo.
À medida que a trama avança, tanto a picotagem e o foguetório quanto os desdobramentos da narrativa servem, em português claro, só para encher lingüiça. Histórias paralelas dispensáveis se sucedem. Ou um drama de mães trocadas e filhas adotivas é realmente pertinente aqui? Arau some com os hispânicos mas entra com a novela mexicana. Não precisava.
O começo do dia sem mexicanos prometia uma crítica ao preconceito e à exploração. No fim, fica um cheiro de conformismo, de desserviço. Até os zumbis de Romero - que afinal estão lá se reunindo para reivindicar uma terra que também é sua - têm mais dignidade.