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Cada nação possui o fenômeno de massa que merece. Seus astros, geralmente, são pessoas que conquistaram fama e sucesso sem qualquer explicação lógica. Um dos casos que merece estudo aprofundado é a nossa "rainha dos baixinhos" Xuxa Meneghel, que chega agora ao seu décimo quinto longa, Xuxa e o tesouro da cidade perdida (2004). Mesmo estando com a carreira em declínio na televisão, suas tentativas no mercado cinematográfico continuam rendendo boas bilheterias. Sua audiência média é de incríveis 2 milhões de espectadores por filme. E essa é a única explicação encontrada para se perder tempo fazendo um longa-metragem como esse.
Na nova empreitada, Xuxa interpreta Bárbara, uma bióloga ecologista tímida e monossilábica que mora em uma pequena cidade na beira da floresta Amazônica. A trama começa com o desaparecimento de um casal de arqueólogos (Milton Gonçalves e Zezé Motta), que se embrenhara na floresta em busca de Igdrasil - a cidade viking perdida (!?!?).
Um roteiro fraco e insosso tenta alinhavar um punhado de imagens jogadas com atuações pífias. Talvez o roteirista Flávio de Souza, sabendo que com esse argumento não conseguiria fazer um longa, adaptou o personagem Puck, da peça Sonho de uma noite de verão, na forma do brasileiríssimo Curupira apenas para criar os desencontros amorosos dos personagens Jéssica (Juliana Knust), Lisandro (Paulo Vilhena), Helena (Natália Lage) e Demétrio (Sergio Hondjakof). Chega a ser uma aula de como assassinar um clássico de William Shakespeare.
Xuper idéia
É de se imaginar o que estava passando na cabeça dos realizadores quando inventaram que na Amazônia existe uma cidade perdida colonizada por vikings. Já que na Amazônia não existem pessoas originariamente de pele branca e lourinhos de olhos azuis, somos levados a crer que esse gancho foi empurrado para que o personagem de Xuxa pudesse ser descendente da deusa Blomma. Aliás, esse tipo de artifício acontece o tempo todo para tentar fechar as lacunas da narrativa.
Como já virou rotina, o novo filme da Meneguel ainda tenta transmitir uma mensagem ecológica. Mas o resultado soa tão falso quanto os defeitos especiais utilizados nos longas da apresentadora infantil. E se o roteiro é uma colcha de retalhos, a direção de Moacyr Góes é mais uma vez decepcionante. Fica a impressão de que ele continua aceitando o trabalho só pelo salário, afinal, não há melhorias em seus filmes. E como se tudo isso não bastasse, a trilha sonora é chupada de produções americanas, com o detalhe de que as típicas orquestrações são substituídas por um teclado pertubador.
É sabido que nesse tipo de filme as atuações estão em quinto plano. Em Xuxa e o tesouro da cidade perdida, Milton Gonçalves e Zezé Motta estão lá só para tentar dar credibilidade ao projeto, pois não foram minimamente exigidos. Os humoristas Leandro Hassum e Márcia Cabrita são desperdiçados numa caricatura chata de hippies. Luiz Carlos Tourinho não consegue transmitir a ambivalência do personagem Curupira. E desta vez sobrou para Marcos Pasquim (Igor) o papel de galã e interesse romântico da personagem de Xuxa, que da mesma forma que Renato Aragão continua escalando atores mais jovens para ser seu par.
O filme foi exibido para a imprensa na já habitual pré-estréia em que jornalistas dividem a sala com as crianças, o público alvo da produção. Durante toda a sessão, era notório que a maioria não estava interessada no que estava acontecendo na tela. Elas preferiam ficar correndo e conversando, para desespero de babás e mães, e riram somente de três piadas sobre flatulência. Tal comportamento ajuda a entender a estratégia de sucesso que é lançar os filmes da Xuxa no começo das férias. Com o final das aulas e atividades, pais levam suas crianças para qualquer lugar que as mantenha longe de casa, onde só fazem bagunça. Esses programas obviamente independem da qualidade. Xuxa e seus produtores agradecem. Os vikings e Shakespeare, não.