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Crítica

A Viagem do Balão Vermelho | Crítica

Aprendendo a filmar com Hou Hsiao-Hsien

30.10.2007, às 20H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 15H02

Cineasta mais admirado por quem faz cinema do que pelo público em si, a quem dificilmente chega fora dos festivais, o taiwanês Hou Hsiao-Hsien enfim é reconhecido pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - curiosamente, com o seu primeiro filme ocidental, a produção francesa A Viagem do Balão Vermelho (Le Voyage du Ballon Rouge).

voyage du ballon rouge

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Prolífico criador desde os anos 80 e nome chave, ao lado de Edward Yang (As Coisas Simples da Vida), da chamada Nouvelle Vague taiwanesa, Hsiao-Hsien deixa os cenários e os temas do Oriente a convite do Musée D'Orsay de Paris, que banca a produção de Le Voyage du Ballon Rouge - filme que parte de uma homenagem ao clássico Le Ballon Rouge (1956), de Albert Lamorisse, para narrar uma história particular.

Uma história, vale dizer, que não depende do conhecimento prévio do filme de 56 para ser compreendida. Em comum há um garoto e o seu balão vermelho flanando por Paris. Hsiao-Hsien acompanha Simon (Simon Iteanu) ao lado de sua nova babá, a chinesa Song (Song Fang), uma aspirante a cineasta, e ao lado de sua mãe, Suzanne (Juliette Binoche), atriz que dubla peças com marionetes.

Le Voyage du Ballon Rouge é o típico filme "sem história", mas basta imergir no universo daqueles personagens para identificar várias: a subtrama da chinesa tentando achar uma voz entre estranhos, da mãe atrapalhada longe do marido, do menino que aprende a olhar e apreciar sozinho o mundo que o cerca. O filme passeia entre essas histórias como um balão no vento, sem hierarquizá-las. Como na vida, o fim pode ser só um começo.

Teoria e prática

Transparência é palavra-chave para captar pensamento e obra de Hsiao-Hsien. Mesmo quando o diretor recorre a trucagens, como a manipulação digital do balão, ele chega ao cúmulo de colocar na boca da personagem (chinesa, cineasta...) a explicação técnica dessa trucagem. É a observação imparcial que interessa a Hsiao-Hsien, e, se parte do elenco tem o mesmo nome de seus personagens, isso é só mais um elemento a aproximar ficção (o artifício) e realidade (o não-artifício).

Outros elementos - e por estes o cineasta é famoso, citado e copiado - são de ordem cinematográfica, estão contidos na imagem.

Primeiro, o taiwanês crê na pureza da imagem fixa e contínua, uma pureza que se esvai com o corte. Não por acaso, Le Voyage du Ballon Rouge é marcado por alguns longos planos-sequência com a câmera fixa no tripé, deslocando-se sobre o eixo apenas para acompanhar a movimentação do elenco. Dessa busca pela "verdade" do plano vem uma característica de Hsiao-Hsien: abolir o máximo que pode o plano-contraplano e substituí-lo por um plano único.

(Plano-contraplano é o beabá do cinema. Em um momento, por exemplo, a câmera está fixa no rosto do personagem tentando enxergar o horizonte. Corte (câmera se vira 180 graus). No momento seguinte, por lógica, veremos o horizonte que o personagem estava mirando. Plano e contraplano, também conhecidos em gramática cinematográfica como campo e contracampo, são os dois lados espelhados de uma cena - desde sempre, o cinema reza segundo essa lógica.)

Voltando a Hsiao-Hsien: para evitar o corte, ele substitui a lógica do plano-contraplano ora por uma movimentação maior da câmera objetiva, ora por subterfúgios que dupliquem a imagem espelhada de uma vez só - daí, temos tão frequentemente no filme pessoas refletidas em vidros, janelas, vitrines... O que faz de Hsiao-Hsien um gênio e não apenas um teórico? Colocadas em prática, essas idéias são absolutamente orgânicas. Ditas aqui são blá-blá-blá. Na tela é hipnose.

Justiça seja feita ao diretor de fotografia Mark Lee Ping-bin, que sempre acompanha o cineasta: a sua câmera é de um bailado suave sem igual. O seu trabalho fica ainda mais espantoso se soubermos como o diretor taiwanês trabalha com o seu elenco. É o segundo elemento essencial no cinema de Hsiao-Hsien: a improvisação. Imagine, diante de Le Voyage du Ballon Rouge, que aquelas cenas dentro da sala de Suzanne nascem de movimentos livres, sem marcação no chão. Às vezes há três, quatro pessoas dentro do enquadramento - e a câmera registra esses corpos todos com a maior elegância, sem zooms forçados, sem desperdícios.

Na tela, pela movimentação em cena, Le Voyage du Ballon Rouge parece o filme mais ensaiado de todos os tempos. Saber que muito do que acontece ali é fruto do acaso - e que Hsiao-Hsien consegue registrar tudo sem sobressaltos - é o que fascina tantos outros cineastas que o citam como referência. Dizer que fulano "dá uma aula de cinema" é um dos chavões mais hediondos da crítica especializada, mas neste caso não há muito como contorná-lo. Hou Hsiao-Hsien faz escola.

Nota do Crítico
Excelente!