Nos três longas mais conhecidos do diretor russo Andrey Zvyagintsev, O Retorno (2003), Elena (2011) e Leviatã (Leviafan, 2014), histórias de provação moral ambientadas numa Rússia profunda, o fatalismo sempre limita o raio de ação de seus protagonistas, lesados pelas circunstâncias. São filmes que dão a impressão de que tudo na Rússia é profundo, cada um dos seus habitantes curvado pelo peso do velho império.
Leviatã é o mais ambicioso dos três, porque identifica opressores - o Estado, a Igreja - com a intenção de construir um painel do estado das coisas na Rússia hoje, em suas esferas pública e privada. Releitura do Livro de Jó da Bíblia, segue um pai de família que pede ajuda a um amigo advogado para impedir que o prefeito da cidadezinha costeira onde mora derrube sua casa. É o típico filme de "grandes temas" travestido de história íntima, e o sucesso do longa pelo mundo, de Cannes ao Globo de Ouro, prova que Zvyagintsev seguiu com competência a cartilha do denuncismo discreto e do realismo autoimportante, combinados com a única moda do circuito de festivais que nunca passará: o cinema de simbolismo.
leviatã
leviatã
Os símbolos em Leviatã, como as carcaças de baleia e os destroços de barcos, representam, mais do que um abandono, a morte do gigantismo sufocante da antiga URSS, que persiste em edificações que são derrubadas mas não são substituídas por objetos de um capitalismo impessoal, como na arquitetura selvagemente moderna de uma Xangai, e sim por novos representantes de um mesmo delírio de grandeza institucional. É a Rússia como um imenso mausoléu a ídolos mortos, que se multiplica em substituição a todas as coisas vivas.
Mas não há espaço para heróis, vivos ou mortos, no cinema de Zvyagintsev. O povo russo, cujo fardo de carregar a fábula do comunismo nas costas o cinema soviético soube retratar bem no passado, não é muito mais do que uma massa bovina em Leviatã, anestesiada por bebidas e santos, na ótica de seu diretor. Um povo que, de qualquer forma, não teria mesmo como reagir muito diferentemente ao olhar limitador de Zvyagintsev, que trata seus personagens como um coro de tragédia. Estamos no terreno das boas intenções e dos lamentos, do humanismo por inércia.