Harry Styles tinha razão quando disse que Não se Preocupe, Querida parece um filme. Infelizmente, não um de verdade, seja enquanto experiência pipoca, seja enquanto obra bem resolvida em si mesma. Ele está mais para aquelas produções fictícias que os personagens assistem nas séries de TV. É paródico sem a intenção de fazer rir, é crítico sem ter o que dizer de fato. Ironicamente, é um tropeço adolescente e inconsistente de uma diretora que, com base no seu lançamento anterior, tinha bem mais a oferecer.
Não dá para negar que Olivia Wilde tinha grandes ambições com o projeto — e, em outros casos, a vontade de criar algo novo bastaria para validar sua investida. Para contar a história de uma dona de casa descobrindo o que está por trás da sua vida perfeita, a cineasta deixa para trás a atmosfera leve e hilariamente feminista do ótimo Fora de Série para se arriscar no suspense e discutir papéis sociais de gênero e o saudosismo de dias ditos melhores. Quer dizer, apenas pela mudança drástica de tom é evidente a robustez da narrativa que Wilde pretendia. Aliado ao amadurecimento da sua premissa, ela orquestra o esmero notável no design de produção e na caracterização dos personagens, e reune um elenco forte, encabeçado por Florence Pugh — fatores nada banais, capazes de alçar Não se Preocupe, Querida ao posto de um dos títulos mais aguardados do ano antes mesmo de qualquer suposta polêmica dos bastidores.
É uma pena, portanto, que o longa seja mais amador que seu antecessor. Enquanto a direção de fotografia e a maioria das performances sejam, sim, dignos de nota, Não se Preocupe, Querida é incapaz de disfarçar que apresenta um ponto de vista nada particular. Na realidade, não poderia ser mais lugar-comum. Com inspirações tão óbvias que soam cópias, que partem de Stepford Wives e incluem de Alice no País das Maravilhas a Suspiria, e um texto desesperadamente raso, o segundo longa de Wilde é, no melhor, mediano — até que se torna irrecuperável.
Não se Preocupe, Querida tem um argumento que por si só sugere reviravoltas, mistérios aparentemente inexplicáveis e uma relação de insegurança sobre no que acreditar: se no que está diante dos olhos da heroína Alice (Pugh) ou no que apontam seus “lapsos” de consciência. Era de se esperar, portanto, que a roteirista Katie Silberman fosse aplicar a mesma perspicácia que demonstrou em Fora de Série para desenvolver uma construção gradual, que fizesse de cada rachadura nessa doce e bela mentira um degrau na escalada (literal) da protagonista à realidade. No entanto, nem ela, nem Wilde demonstram destreza para traduzir essa jornada de descobertas — evidente, inclusive, na sobreposição indesejada que a trilha sonora pesada do John Powell tem sobre a história.
No que diz respeito especificamente ao roteiro, o longa tem sorte de contar com talentos capazes de adicionar nuance a linhas de diálogo tão risíveis, em especial Pugh e Chris Pine. No fundo, quando ambos estão juntos em cena, nada mais importa. A rivalidade e a tensão entre eles é tão fervilhante que o espectador tem uma experiência imersiva e mais satisfatória do que de fato está em jogo ali. Contudo, quando o novato Harry Styles é colocado ao lado deles, tanto sua inexperiência, quanto o vazio inerente de Não se Preocupe, Querida ficam aparentes. Por mais que o músico tenha sido eficiente em Dunkirk, aqui ele é adequado para viver Jack, o marido da protagonista, apenas no quesito charme. Quando é necessário demonstrar algo além disso, sobretudo na reta final, é constrangedor assistir — às vezes, a ponto de fazer a curva e ficar divertido, tamanho o absurdo. E é deste ponto em diante que as boas intenções do longa são ofuscadas pela sua ambição fracassada de grandiosidade.
E que não fique dúvidas: não faltam boas intenções mesmo. Quando cria um subtexto, nota-se, por exemplo, uma perversidade na ideia de que “só as mulheres gozam nesse filme”, como Wilde declarou orgulhosamente tantas vezes, e isso intensifica a dor e a relevância do arco de Alice. Mas, no final das contas, falta muito para que Não se Preocupe, Querida saia como a sua diretora almejou. Sem desenvolvimento de mitologia que torne esse universo intrigante ou uma conclusão que sugira se há ou não esperança, o filme é um grande atestado do talento de Florence Pugh — não que alguém duvidasse disso.