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Crítica

Crítica: O Diabo Veste Prada

O Diabo Veste Prada

21.09.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20

Para quem nunca folheou uma revista Vogue, uma contextualização se faz necessária. O mundo da moda é um dos poucos onde os jornalistas estão no topo da pirâmide de importância. Dentro dessa organização, construiu-se uma espécie de mito moderno: as intocáveis Editoras de Moda. Falando de uma maneira rasa, são elas as responsáveis pela análise do trabalho semestral dos estilistas e, mais que os departamentos de marketing das grandes maisons, cuidam da divulgação (ou da execração pública) do que aparece nas passarelas.

O Diabo Veste Prada

O Diabo Veste Prada

O Diabo Veste Prada

No circuito fashion internacional - que, além de ser um monte de desfiles afrescalhados, é uma indústria que movimenta bilhões de dólares ao ano -, uma dessas Editoras personifica toda a mitologia da classe: Anna Wintour, chefe suprema da Vogue America há quase 20 anos. É a mulher mais poderosa, no comando da revista mais influente no meio. Na cadeia alimentar, é ela quem dita o que vai ou não entrar no guarda-roupa de quem está disposto a pagar. E se você é um estilista, seu pesadelo diário é estar nas graças de madame Wintour e seus indefectíveis óculos Chanel.

Pois é sobre ela que O diabo veste Prada (The devil wears Prada, 2006) se constrói. Lauren Weisberger, a autora do livro que deu origem ao filme, trabalhou como assistente de Wintour por alguns meses antes de largar tudo e desembarcar com sua semibiografia nas livrarias.

A escritora jura que não se baseou em sua vivência com Wintour para o livro, mas as "coincidências" no enredo são um prato cheio. Na ficção, ela vira Andy Sachs (Anne Hathaway), universitária recém-formada que sonha em ser escritora e colaborar em revistas como a New Yorker e que cai de pára-quedas na redação da Runway, a maior revista de moda de todas. Contratada como assistente da editora-chefe, Miranda Priestly (Meryl Streep), Andy tem que lidar com os seus caprichos, exigências e chiliques, tentando sobreviver em um mundo à parte do seu.

No fundo, é toda uma grande discussão sobre a adaptação do ser humano ao meio, sobre as concessões que todos fazemos para encarar a vida real e o quanto isso afeta nossa própria dignidade.

Mas se o livro original é diversão genuína para quem não se importa em atravessar um calhamaço de marcas e grifes a cada duas páginas, o filme se perde na adaptação. A Andy original - uma cínica que passa todo o tempo maldizendo sua chefe, trabalhando contrariada em um lugar que não consegue entender, usando tudo como um mero atalho na carreira - é traduzida como uma pós-adolescente boba demais, incapaz de aproveitar o que há ao redor e que acaba se deslumbrando com o mundinho fashion.

A produção também desperdiça a personagem sensacional de Miranda, na mania pentelha de Hollywood de humanizar até a mais irritante das ditadoras. Meryl Streep, inspiradíssima, construiu uma bitch odiável, ao nível das piores figuras de Bette Davis. Mas se no fim do livro a editora sai incólume como o monstro desprezível que é, na tela ela ganha contornos quase... sentimentais.

O diabo veste Prada acaba soando como uma versão mordernizada de Uma secretária de futuro (Working girl, 1988). Na época, Melanie Griffith batalhava com Sigourney Weaver pelo sonho yuppie, ainda em voga nos EUA. Hoje, o filme manipula arquétipos e divide as garotas americanas em dois grupos: as que sonham trabalhar com moda e as que absolutamente não querem, mesmo que não soubessem disso até assisti-lo. Mas, no fundo, não passa de uma produção à la Sessão da Tarde.

Portanto, se você é do tipo que lê Vogue, é aconselhável deixar o filme para lá e se divertir com o livro. Vá ao cinema somente por Meryl Streep, pelo figurino fabuloso de Patricia Field e pelas piadas e insinuações que só quem acompanha o micro-universo fashion vai entender. Mas se você não sabe diferenciar um casaco Prada de um Dior, não espere grande coisa.

Nota do Crítico
Regular