Oito anos depois de lançar Estômago, o diretor Marcos Jorge retorna em O Duelo com outro filme que mistura cinefilia e melancolia, em que os atos de um herói sem caráter transformam a banalidade do dia a dia em uma história grandiosa de cinema.
Na tradição dos malandros e contraventores da nossa ficção, de Macunaíma a João Grilo, o diretor vai buscar em Jorge Amado - especificamente no romance Os Velhos Marinheiros, de 1961 - mais um desses anti-heróis, o comandante Vasco Moscoso de Aragão (Joaquim de Almeida), lobo do mar que se muda para a vila de Periperi e lá encanta os locais com seus relatos de aventuras pelo mundo, com exceção do fiscal Chico Pacheco (José Wilker, ator que sempre soube reproduzir muito bem um tipo de brasileiro passivo-agressivo), convencido de que o tal comandante é um farsante.
O duelo do título se dá por atenção, com Vasco e Pacheco - ex-homem mais invejado da cidade, por suas viagens constantes ao Rio de Janeiro - disputando o privilégio de narrar aos outros sua própria história. Em Estômago, o condenado que se descobria cozinheiro também lutava pelo direito de fabular, de tornar a realidade ficção, e assim engrandecê-la. Em O Duelo, o embate que começa por uma questão de ego aos poucos se revela, em meio a Titanics e odaliscas, uma questão de fuga, contra a trivialidade do cotidiano.
Se desta vez Marcos Jorge cede mais à melancolia do que em Estômago, fazendo em O Duelo um filme comportado sobre o poder redentor da ficção, talvez seja pelo fato de não ter aqui, ao contrário daquela história de vingança de 2007, uma válvula de escape que permita trazer à frente, também, a feiúra da nostalgia cega, do autoengano. Estômago era, por conta disso, um filme que andava no fio da navalha entre o ridículo e o sublime, enquanto a O Duelo - que afinal hoje ganha contornos de homenagem ao falecido Wilker - resta a solenidade.