Antes de falar sobre O Quarto de Jack é preciso avisar que o impacto do filme será muito maior se nada se souber sobre sua trama. O roteiro de Emma Donoghue (baseado no seu próprio livro) é construído em torno de um “suspense dramático”, cujo impacto depende das descobertas e da atenção do espectador.
Assim, o público pode se tornar cúmplice de Jack (e aqui é a hora de parar de ler se você ainda não viu o filme), enquanto o menino de cinco anos vai percebendo o mundo além das quatro paredes do seu cativeiro. Fruto dos estupros semanais sofridos por sua mãe, sequestrada aos 16 anos, Jack acredita que o mundo é o “quarto” em que vive, com sua cozinha improvisada, banheiro e cama no mesmo ambiente. Para criar uma realidade mais otimista para o filho, ela rejeitou o mundo externo, criando um universo particular com o pouco que tinha.
O diretor Lenny Abrahamson filma essa relação sempre de perto, mantendo-se confinado com mãe e filho. É um retrato íntimo e necessário, intensificado pelas atuações de Brie Larson e Jacob Tremblay. Indicada ao Oscar, ela constrói bem o retrato de juventude roubada por um ato bárbaro que transforma a dor em força quando é confrontada pela maternidade. Ele é a base do longa, essencial no desenvolvimento de uma história que depende completamente da empatia do público.
Porém, depois de uma sequência intensa, mais uma vez fruto do trabalho de Tremblay, o filme perde a potência ao sair do confinamento. Donoghue e Abrahamson envolvem a virada do roteiro por uma aura de censura, um medo de mostrar a extensão do trauma vivido pelas vítimas. É como se o O Quarto de Jack não quisesse também traumatizar o seu espectador, tocando apenas superficialmente nas consequências da tragédia. Há dor, há lágrimas, mas tudo soa como uma teoria a respeito do que aconteceria em um caso assim. Um retrato distante que foge da relação estreita do primeiro ato, tornando momentos que deveriam ser de aprofundamento em procedimentos para causar encantamento e lágrimas.
O Quarto de Jack é pequeno belo filme, mas esbarra na necessidade contemporânea de preencher vazios emocionais com histórias tristes sem se comprometer. É como se tudo se resumisse a uma manchete, consumida rapidamente na busca de um pouco de humanidade em um dia corrido: “Nascido em cativeiro, menino de cinco anos descobre o mundo pela primeira vez”. A reportagem é lida, as lágrimas escorrem, a aba do navegador se fecha e a vida segue.