Difícil é a tarefa de adaptar O Tempo e o Vento. O clássico de Érico Veríssimo tem três partes, divididas em seis volumes. O diretor Jayme Monjardim aceitou o desafio de condensar a obra em duas horas e criar um trabalho capaz de entreter e emocionar.
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A obra-prima de Veríssimo já teve diversas adaptações, principalmente a primeira parte - O Continente. Destas versões, a mais popular é a minissérie de mesmo título televisionada em 1985. Quem assistiu à série vai notar muitas referências na adaptação de Monjardim. Algumas cenas são quase idênticas, tanto no diálogo como na posição dos personagens.
Thiago Lacerda, que interpreta o irreverente capitão Rodrigo Cambará, é um retrato de Tarcísio Meira, responsável pelo papel em 1985. Sorrisos e olhares são muito semelhantes, o que não é ruim. Cambará protagoniza as cenas mais engraças e os momentos interessantes de ação, como o duelo com Bento Amaral (Leonardo Medeiros).
Bibiana Terra (Fernanda Montenegro), à beira da morte, conta ao marido, um eternamente jovem capitão Rodrigo, como o tempo ventou pela história de sua família. A árvore genealógica começa com Ana Terra (Cléo Pires), sua avó. Isolados de tudo, os Terra vivem em uma casa simples na região do Rio Pardo. O diretor abusa de paisagens grandiosas (sua especialidade desde que mudou o panorama das telenovelas com os longos tempos mortos de paisagens em Pantanal) dos pampas, acompanhadas de uma trilha sonora emocionante e da voz da narradora.
Talvez se tornasse monótono um longa-metragem inteiro com poucos diálogos e apenas a voz de Fernanda Montenegro ao fundo, mas isto funciona bem na primeira parte. Quase sem conversar, Cléo e o argentino Martín Rodriguez conseguem criar um envolvente amor de perdição entre Ana e o índio Pedro Missioneiro. Em alguns momentos, olhares e gestos falam mais do que palavras. Nos outros, entra a narração.
É quando entram os diálogos que o filme perde a mão. Mesmo entre Ana e Pedro, que têm química, as falas soam artificiais. O detalhe estranho é que, em um momento, a fala do índio tem legendas em português - sendo que o personagem usa o mesmo sotaque em outras cenas sem necessidade de tradução alguma.
Terminado o ato de Ana Terra, chega a vez da história da própria Bibiana, vivida quando jovem por Marjorie Estiano. Comparada à avó, que protagonizou noites insones de amor, sobreviveu a tiroteios e escondeu o filho em uma caverna para enfrentar sozinha um bando de saqueadores, a garota de família que protagoniza o segundo arco não é tão interessante.
Se houve liberdade artística para tornar Bibiana a narradora do filme, acrescentaria muito à obra se tivessem mostrado um pouco mais de sua personalidade. Afinal, ela enfrentou a família mais poderosa da cidade e seus próprios parentes ao assumir uma escolha amorosa. Infelizmente, O Tempo e o Vento coloca todo o crédito nas mãos do capitão Cambará. Cabe à neta da destemida Ana Terra esperar, depender, esperar.
Quase 30 anos depois de sua adaptação mais célebre, O Tempo e o Vento tenta realizar uma missão ambiciosa. Como não poderia ser diferente com uma obra tão grande, faltaram diversos elementos, muitas modificações narrativas são discutíveis, mas o filme servirá pelo menos para levar a obra de Veríssimo aos que ainda não a conhecem.