Netflix/Divulgação

Filmes

Crítica

Pieces of a Woman

Liderado pela performance brutal de Vanessa Kirby, longa pondera sobre perda e mecanismos de superação

12.01.2021, às 14H36.

Não há nada em Pieces of a Woman que se compare ao impacto de sua primeira meia hora. Depois de brevemente introduzir um casal que espera sua primeira filha, o diretor Kornél Mundruczó faz um malabarismo técnico brilhante e nos entrega mais de vinte minutos ininterruptos de um parto doméstico, evidenciando toda a dor e expectativa que este momento representa para a família: enquanto Martha (Vanessa Kirby) sofre de enjoo e contrações, Sean (Shia LaBeouf) se contorce para auxiliar sua parceira, e a parteira (Molly Parker) se segura para não entrar em desespero.

O uso sagaz do plano-sequência é o maior triunfo do filme de Mundruczó. Logo de cara, o diretor constrói uma tensão inigualável, principalmente depois que percebemos a tragédia que se passará, e a brutal perda do casal. E apesar de nada superar o poder de seu início, isso não é exatamente um problema de Pieces of a Woman. Se fossem duas horas de um peso como esse, seriam poucos que aguentariam a agonia do que se passa na tela.  

Estabelecido o trauma e tema do filme no início, o longa pula de mês em mês para retratar a vida de Martha e Sean e as repercussões daquele dia. Vemos Martha voltando ao trabalho. Sean retornando ao alcoolismo. A dificuldade de retomar a vida sexual. O abismo que se abre entre os dois. E a dura realidade de lidar com os outros integrantes da família, mais notavelmente a mãe da protagonista (Ellen Burstyn), que insiste em lidar com a perda da sua própria maneira, combativa. 

Embora retrate o impacto daquele acontecimento em toda a família, existe uma diferença gritante entre a jornada de Martha e a dos outros personagens, e isso não é à toa. O roteiro de Kata Wéber foi escrito a partir de uma experiência pessoal com seu parceiro, o próprio diretor, e, por isso, sua protagonista transborda tanta honestidade. A força do texto é complementada pela performance implacável de Kirby. A atriz carrega o longa com um trabalho corporal e vocal impecável, deixando claro como o trabalho terapêutico nos bastidores de Pieces of a Woman se faz presente em cada momento e cada movimento de Martha.

Existe, no entanto, uma derrocada ao melodramático, principalmente na jornada de Sean, talvez pelos efeitos gritantes do alcoolismo. Mas Pieces of a Woman compensa sua falta de sutileza na beleza de suas atuações, das quais Burstyn é um claro destaque. A atriz protagoniza um monólogo essencial, em que explicita os traumas e seus variados efeitos em diferentes mulheres. Do mesmo modo, Parker, que vive a parteira, usa seu tempo limitado de tela para entregar alguns dos olhares mais marcantes da produção. 

Não é exagero presumir que Pieces of a Woman será relembrado pela sua primeira meia hora, quando Mundruczó de fato atinge seu potencial máximo. Mas isso seria reduzir desnecessariamente o trabalho de Kirby, que leva à tela uma dor intransponível com sutileza e peso raramente vistos.

Nota do Crítico
Ótimo