Em 1996, Trainspotting falava diretamente com uma juventude desiludida, disposta a “queimar de uma vez para não apagar aos poucos”. Passados mais de 20 anos, T2: Trainspotting conversa com quem sobreviveu e agora lida com os desenganos da existência. As consequências de “escolher a vida”.
Não se trata apenas de uma continuação, restrita à sombra do seu predecessor. Danny Boyle e o roteirista John Hodge, baseados nos livros de Irvine Welsh (Trainspotting e Porno), confrontam personagens e a própria trama em busca de respostas, mas sem a pretensão de repetir os feitos do primeiro filme. Uma visita ao passado sincera e bem humorada, nostálgica para o fã do original, mas que independe dessa sensação para justificar a sua existência.
O olhar “publicitário” de Boyle expressa perfeitamente as desventuras do grupo que se definia por sua recusa a um slogan - “Choose Life” - e ironizava o consumismo como alimento dos pobres mortais. Uma montagem não linear garante o ritmo da narrativa, enquanto grafismos e outras intervenções dão a urgência necessária para evitar as armadilhas da autocontemplação excessiva. A trilha sonora continua integral à história, ainda entre o artificial do eletrônico e o cru do punk rock, mas com toques de hip hop e pop.
As drogas deixam o centro da trama, mas a dependência física/psicológica continua como um tema essencial. “Você é um viciado, apenas vicie-se em outra coisa”, aconselha Renton (Ewan McGregor) para Spud (Ewen Bremner). Mais prático e menos romântico, T2: Trainspotting entende a necessidade mundana de preencher vazios ao invés de questioná-los, seja com drogas, redes sociais, atividades criminosas, dinheiro ou outras pessoas. Amadurecer é tirar o melhor proveito disso: admitir, aceitar e lidar com as próprias falhas. “O mundo muda, mesmo que você continue o mesmo”, conclui Begbie (Robert Carlyle) em outro momento.
São reflexões existenciais, piadas e frases de efeito que ganham consistência por meio de um elenco disposto e sintonizado com a linguagem do seu diretor. Cada um - McGregor, Bremner, Carlyle e Jonny Lee Miller (Simon/Sick Boy) - tem o mesmo espaço para reencontrar seu personagem e aproveita a jornada não apenas como uma terapia artística, mas como um passeio turístico pela juventude.
A ideia não é repetir sensações, como o viciado que busca a mesma euforia a cada pico, mas criar novas em cima do conhecimento adquirido ao longo dos anos, no clássico espiríto de “se eu soubesse naquela época o que sei hoje”. É o que evita que T2: Trainspotting seja uma paródia do seu original e o deixa acima da discussão de ser ou não uma continuação necessária. Danny Boyle, John Hodge e seu elenco acenam para o passado, sem querer voltar para lá.
Nota do Crítico
Excelente!