Art, o Palhaço, é o inegável triunfo de Terrifier. Em 2016, quando apareceu ao público geral no primeiro filme (depois de figurar em diversos projetos do diretor Damien Leone), o psicopata mímico vivido por David Howard Thornton deixou sua marca, sim, mas em um projeto mediano. O longa, que ganhou o título de Aterrorizante aqui no Brasil, tinha pouco mais de 1 hora e meia e se prolongava em uma enrolação slasher bem simples, sem nenhum floreio além da violência e do sangue, que pareciam ser seu único interesse. Com exceção de uma vontade carismática de transgredir, pouco de Terrifier era realmente inspirado e, por isso, o sucesso absurdo de sua sequência vem, também, com alguma desconfiança.
Os relatos de enjoos e desmaios em sessões dos EUA - uma ferramenta de marketing no horror melhor que qualquer trailer, cartaz ou promessa de twist - chegaram, explodiram, e impulsionaram o lançamento do longa em cinemas brasileiros. E Terrifier 2 chega com todo o barulho de um filme hypado, desta vez com suas quase duas horas e meia. À parte a promessa de violência extrema, a dúvida era se Leone tinha alguma ambição de trama, desenvolvimento de personagem ou qualquer outro objetivo para além do choque. A resposta é sim: Terrifier 2 é como se o primeiro filme ganhasse alma e oxigênio, e Leone tira proveito de um orçamento maior não (só) para mortes mais inventivas, mas para entregar um filme que é realmente completo, do começo à cena pós-créditos.
Muito disso está na vontade de surrealidade de Terrifier 2, que já começa com Art em uma lavanderia, dando um up no seu figurino icônico para limpar os eventos do primeiro filme. O palhaço pelado esperando a máquina de lavar fazer seu trabalho, e a aparição da versão infantil e feminina de Art (perfeitamente bizarra e assustadora) são apenas o pontapé inicial em uma produção que transborda energia de A Hora do Pesadelo, e uma longa sequência de sonho é o destaque do primeiro ato. A vítima do pesadelo é nossa protagonista, Sienna (Lauren LaVera), jovem de uma família que recentemente perdeu o patriarca e ainda sofre os efeitos de sua inesperada derrocada psicológica por um tumor cerebral. Sienna e Jonathan (Elliott Fullam), irmãos companheiros com visões opostas sobre a ameaça real de Art, o Palhaço, se preparam para a noite de Halloween enquanto o mímico passeia pelas redondezas.
O foco na família Shaw, claro, não é gratuito, e rapidamente percebemos que o pai de Sienna e Jonathan havia deixado esboços de Art em seu caderno de desenhos há mais de um ano. Nesses mesmos rascunhos está também uma fantasia de guerreira que Sienna prepara para sua noite de Dia das Bruxas, e o inevitável encontro entre nossa protagonista cosplayer e o palhaço é antecipado e construído com tudo que tem direito: de premonições a ataques, planos infalíveis e sustos, a jornada do encontro entre Sienna e Art é bem desenvolvida até chegar ao seu destino final, em que Leone retorna ao espírito do primeiro filme para enrolar até demais para o seu desfecho.
Se os crimes que ficam pelo caminho passeiam com graça pela violência extrema - e uma morte específica é encenada com a clara intenção de superar a cena da serra do primeiro filme (e supera) - Terrifier 2 saltita pelo gore sem perder a compostura, baseando-se no poder de uma trilha sonora surpreendentemente elegante e no timing cômico admirável de Art. Elevando o jogo do primeiro filme, Howard Thornton tem bem mais espaço para brincar com o humor mórbido aqui, e seu semblante, seja impaciente, jocoso ou totalmente amedrontador é tão eficiente que chega a ser absurdo. Mesmo assim, apesar de sua criatividade e brutalidade terem ganhado impulso, é difícil imaginar que alguém que tenha aguentado o primeiro filme não tenha estômago para a sequência.
Leone foi esperto em perceber que substância era o que faltava em Terrifier, e que o desenvolvimento de um arco, com carisma e noção de destino, não retira nada da força de Art, muito pelo contrário. A violência ainda pode continuar gratuita e absurda mesmo aliada com sensação de propósito, e a união dessas forças faz de Terrifier 2 um filme realmente completo. A sequência segue, como o primeiro filme, como um palco entregue para que Art dê seu show, mas florear o cenário com conteúdo só potencializa sua psicopatia, e deixa espaço mais que justo para um inevitável - e bem-vindo - Terrifier 3.