Ao início de Triângulo da Tristeza, o incômodo entre um casal de modelos sobre quem vai pagar a conta de um jantar caro relembra o conflito silencioso que é foco do diretor Ruber Östlund em Força Maior (2014). São frases simples, curtas, que dizem mais que sua breve pronúncia, e traduzem muito além dos problemas de um casal específico. O interesse em focar em relações de gênero ultrapassa o nível superficial; é uma sátira, mas uma que vem através de bons personagens, construídos com sutileza em rapidez admirável. Aqui, no primeiro trecho de uma narrativa dividida em três partes, o novo filme de Östlund já atinge o seu ápice - por mais que cresça em técnica e atuação a partir daí.
Isso porque cenas como a introdução de Triângulo da Tristeza (assim como Força Maior) funcionam pela angústia criada pelo silêncio. A vontade de chacoalhar personagens, fazê-los dizerem tudo que não é dito, é a fonte de entretenimento que mais funciona em Östlund. Mas quando Yaya e Carl (Charlbi Dean e Harris Dickinson) - os tais modelos, lindos e jovens - partem em uma viagem de barco que por fim desemboca em um naufrágio, Triângulo da Tristeza deixa para trás sua melhor carta, e desliza por uma verborragia do mais alto nível.
A retórica exagerada é surpreendente, principalmente porque Östlund não explora o formato da sátira, nem o seu alvo: a alta sociedade, suas hipocrisias e o conflito social, tanto de classe quanto de gênero. Ele quer alfinetar repetidamente, em uma aventura que poderia, talvez, ser divertida se lançada 10 anos atrás. Mas, em tempos de White Lotus e, principalmente, em um mundo que ainda vive na sombra de Parasita, Triângulo da Tristeza precisaria fazer muito mais do que nos entregar caricaturas e ótimas atuações para se destacar como crítica.
A redundância acontece principalmente no miolo do filme, que foca nos passageiros do navio e seus absurdos, símbolos dos principais cânceres da sociedade: o russo anticomunista vendedor de fertilizantes; o simpático casal de ingleses (nomeados em homenagem a Churchill) comerciantes de explosivos; e nossos protagonistas influencers são algumas figuras que formam o microcosmos de Östlund. Suas introduções e interações são ridiculamente cômicas e tudo funciona em alguma medida, até Triângulo da Tristeza desembocar em seu maior diferencial: uma sequência interminável de escatologia que beira o insuportável.
Não é que a ferramenta da nojeira seja gratuita. Triângulo tem algo a dizer sobre a podridão destes indivíduos e os efeitos de seus próprios exageros, e existe também uma harmonia com a diarreia verbal do filme, que está ligada ao máximo precisamente neste momento. E enquanto Östlund demonstra habilidade afiada de transmitir o enjoo - até porque sua câmera não para quieta, junto ao balanço do barco -, é difícil se conformar com a eternidade da cena e seu absurdo. Passados os longos minutos, no entanto, o filme ganha força novamente com a sua terceira e última parte, em que alguns dos passageiros se veem isolados em uma ilha deserta.
O cenário joga os personagens em um tabuleiro zerado, uma oportunidade para explorar a dinâmica entre indivíduos retirados de seu habitat natural. Novamente, a diversão sai das infantilidades de um grupo de incompetentes, mas é aí que a produção encontra sua outra grande vitória, ao ancorar-se em performances. Não há ninguém maior que Dolly De Leon em Triângulo da Tristeza, e que o filme demore tanto para introduzir sua melhor personagem tem até um apelo pela surpresa. Mesmo assim, até Yaya e Carl, que nos acompanhavam desde o começo, brilham mais forte na reta final.
É inegável que Triângulo da Tristeza provoca emoções, mas talvez pela sua dificuldade de despertar desconforto através da paródia, repetitiva e familiar demais, ele recorre ao abusivo. Sem uma trama ou desfecho para chamar de seu, o filme de Östlund se sustenta em cenas pontuais e atuações, deixando sua ideia geral mais no campo da pretensão do que da realização.