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V de Vingança | Crítica

A hora é certa para uma revolução

06.04.2006, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H47

Pelo menos para uma coisa os políticos corruptos servem: inspirar a arte.

No início da década de 1980, a política da Dama de Ferro Margaret Thatcher deu a Alan Moore a linha para a criação de V de Vingança. Vinte e tantos anos depois, é George W. Bush o alvo preferido dos criadores. Curiosamente, o mesmo texto de Moore, adaptado e modernizado pelos irmãos Wachowski (Matrix), continua servindo como condutor das críticas atuais.

Dito isso, fica fácil entender os motivos de tanta paulada na superprodução da Warner Bros. por parte de veículos notadamente de direita, reacionários até. Afinal, o filme exalta um subversivo, o terrorista conhecido como Codinome V (Hugo Weaving, cujo rosto nunca aparece). E para aqueles que mantêm o povo nas rédeas através do medo, da manipulação, nada mais perigoso.

Aplausos para a Warner Bros., que tem colocado longas-metragens contestadores e corajosos como V de Vingança, Syriana e Boa noite e boa sorte com regularidade nos cinemas. Não que V possa ser comparado às pequenas obras-primas estreladas por George Clooney... mas por tratar-se de um tipo de filme mais acessível ao público que os outros, a mensagem, comum a todos, tem mais abrangência. Afinal, a superprodução tem público infinitamente maior.

Claro que não esperamos aqui que os cidadãos comecem a explodir prédios públicos e fazer justiça com as próprias mãos como o mascarado personagem de V de Vingança. A essência da idéia definitivamente não é essa. Os Wachowski também sabem disso e sua opção pela tradução menos radical e extremada da HQ de Moore - especialmente seu desfecho - funciona a contento na tela grande, apesar de polêmica aos olhos puristas.

A história é jogada alguns anos no futuro, em 2020. O cenário, porém, segue o mesmo, a Inglaterra. Um ditador fascista, Adam Sutler (John Hurt, hitleresco), rege o país utilizando táticas de repressão e instruções televisionadas. Ele comanda a mídia e suas forças de segurança, lideradas por um sujeito chamado Creedy (Tim Pigott-Smith), têm como rotina seqüestros, torturas e assassinatos daqueles que se opõem ao regime. A censura impera e se estende por todas as formas de manifestação cultural - das artes à religião.

Mas chega o dia 5 de novembro e, com ele, o aniversário da conspiração de 1605 na qual Guy Fawkes tentou explodir o parlamento inglês e destituir o rei James I do trono. A data, um feriado burlesco, espécie de Malhação do Judas aos bretões, é comemorada de forma explosiva pelo terrorista V, ao som de bombas e da Abertura 1812 de Tchaikovsky, quando ele inicia seus ataques ao governo de Sutler, retomando a idéia original de Fawkes.

Na mesma noite, V salva uma jovem chamada Evey (Natalie Portman, com a competência habitual) momentos antes de um estupro por homens de Creedy. Sua ligação com a carismática figura é imediata e seus caminhos se cruzam novamente na estação de TV na qual ela trabalha. Lá, V pede aos londrinos que se levantem contra o regime, prometendo que ele terminará no próximo 5 de novembro - um ano depois - o trabalho iniciado por Fawkes séculos antes. De seu lado, Sutler começa uma caçada ao terrorista, mas já é tarde. Um rasgo de mudança já se tornou possível para os cidadãos oprimidos.

Alguns fãs de quadrinhos já começaram a manifestar seu desapreço ao filme. Dizem que há mudanças demais em relação à obra original e todo o esperneio de sempre. O que não percebem, porém, é que nem toda mudança é ruim. Há personagens que ganharam mais profundidade no filme, como a própria Evey, o investigador Finch (Stephen Rea) e o apresentador de TV Gordon Dietrich (Stephen Fry), cuja cruzada pessoal explora temas próximos a um dos irmãos roteiristas e me pareceu bastante relevante.

Mas deixando um pouco a história de lado, V de Vingança é igualmente bem-sucedido tecnicamente. Havia um certo temor de que o diretor James McTeigue fosse mero marionete para os donos do filme, os Wachovski. Não é o caso. Apesar de algumas cenas nas quais o estilo dos irmãos é particularmente visível - especialmente nas seqüências de ação, uma das quais é bastante exagerada - o filme é bastante contido.

Enfim, V tem um visual perfeito, atuações marcantes e uma história a ser pensada. Não é um filme a ser esquecido e deve gerar opiniões e debates. Basta boa vontade para que tiremos a sua máscara de blockbuster hollywoodiano e olhemos seu cérebro e alma.

A hora é certa para uma revolução, canta Mick Jagger nos créditos finais, na clássica porretada Street Fighting Man. Ele não poderia estar mais correto.

Nota do Crítico
Ótimo