Caso você não tenha notado o aumento de participações de Galvão Bueno na TV e na publicidade, estamos às vésperas da Copa do Mundo. Mesmo se você estiver alheio a lista de convocados ou matérias sobre o Catar, deve ter reparado uma quantidade maior de animes sobre futebol sendo exibidos nesses anos de 2021 e 2022. Com Aoashi e Blue Lock como os principais destaques, os animes de futebol estão aí não apenas para aproveitar o tema, mas também para discutir a função social do futebol e promover um esporte tão querido no Japão.
O Futebol e o Japão
O Brasil é chamado de “país do futebol” e reconhecido como o maior campeão mundial, tendo vencido cinco Copas do Mundo, mas curiosamente o futebol chegou aqui anos após a introdução do esporte no Japão. Se aqui a prática chegou através Charles Miller em 1894, o país asiático foi apresentado ao esporte em 1873 quando membros da marinha britânica ensinaram as regras do futebol a militares japoneses. Inclusive a primeira partida oficial que se tem registro no Japão foi em 1888, quando houve um embate entre os clubes atléticos de Yokohama e Kobe.
Mas se no Brasil o esporte pegou muito rapidamente, no Japão ele foi ganhar uma força maior somente nos anos 1980, com o sucesso do mangá Captain Tsubasa de Yoichi Takahashi nas páginas da Shonen Jump. Conhecida no Brasil como Super Campeões, a série conta a trajetória de vida do garoto Ozora Tsubasa e sua paixão pelo futebol, tudo recheado com personagens carismáticos, partidas empolgantes, movimentos acrobáticos e (muitos) chutes de bicicleta. Com o sucesso do mangá, um anime de Captain Tsubasa estreou em 1983 e ajudou a apresentar o futebol ao público mais novo, algo que mudaria o esporte no país para sempre.
Captain Tsubasa/Reprodução
Em 1993 surgiu a liga profissional de futebol no Japão, a J.League, e o país foi se encantando cada vez mais pelo esporte. A partir daí, começou a participar de Copas do Mundo e até mesmo sediou uma edição da competição em parceria com a Coreia do Sul. Não é um erro falar que o sucesso do esporte no país tem o dedinho (ou o pé) de Ozora Tsubasa, pois o personagem e a série em si foram responsáveis por incentivar muitos jogadores profissionais, a ponto de atualmente o futebol ser um esporte tão grande no Japão quanto o basquete, baseball ou artes marciais.
O aumento da popularidade do esporte refletiu também nos mangás e animes. Captain Tsubasa serviu como porta de entrada para um nicho muito querido, o de animes/mangás de futebol, e foi a precursora de enormes sucessos como Whistle, Giant Killing, Be Blues e mais outras trocentas séries da franquia Captain Tsubasa. Houve espaço também para variações interessantes, como o mangá de futebol feminino Sayonara Football ou o famoso Inazuma Eleven (Super Onze para os brasileiros), série de futebol para crianças com partidas fantásticas e superpoderes.
Giant Killing/Reprodução
Como futebol é o assunto principal em um ano de de Copa do Mundo, é comum que os estúdios japoneses aproveitem a época para lançar vários animes sobre o esporte, e a competição desse ano de 2022 serviu como incentivo para dois grandes sucessos dos mangás ganharem suas versões animadas, Aoashi e Blue Lock.
Futebol moleque
Quem inaugurou o espírito da Copa do Mundo nesse ano de 2022 foi Aoashi, série criada por Naohiko Ueno e desenvolvida por Yuugo Kobayashi. Publicada na revista Big Comic Spirits, a série acompanha a vida do garoto Ashito Aoi, um garoto de vida difícil que ama de paixão o futebol. Como podemos esperar de uma série sobre o esporte, o rapaz tem uma habilidade especial para jogar, algo como o dom da observação, mas Ashito não sabe como desenvolver isso e está frequentemente em conflito com seus colegas de time da escola.
A vida do adolescente muda quando ele encontra o treinador Tatsuya Fukuda, que percebeu que o rapaz tinha talento necessário para fazer a prova para ingressar no centro de treinamento do time Tokyo Esperion. Após um grande sacrifício financeiro feito por sua família, Ashito viaja a Tóquio e lá vai encontrar amigos, rivais, professores malditos, jogadores profissionais e por aí vai.
Embora possua características muito comuns a shonens de esporte como Captain Tsubasa e Slam Dunk, como o protagonista adolescente e a estrutura da história, Aoashi na verdade é um mangá seinen (para o público adulto) por ter sido publicado em uma revista dessa demografia. É a típica história de amadurecimento do protagonista, com desafios para melhorar suas habilidades e poder retribuir o esforço feito por sua família para que ele tivesse o privilégio de estudar em um dos lugares mais competitivos do Japão.
Por mais que seja um título bastante famoso desde sua publicação em 2015, o anime em si não ganhou nenhuma superprodução. Ele funciona bem durante as partidas, mas você não verá sakugas excepcionais ou cenas dignas de um Demon Slayer pois em Aoashi a aposta é no carisma do elenco e, principalmente, na emoção. Preciso destacar aqui que o episódio no qual a mãe do Ashito permite que ele viaje até Tóquio é dramático e muito bonito, arrancando lágrimas inesperadas em um anime de futebol.
Aoashi teve uma primeira temporada com 24 episódios, lançados de abril a setembro deste ano. Todos podem ser vistos oficialmente pela Crunchyroll, que também dublou toda a temporada. Inclusive a versão em português colocou algumas pequenas “brincadeiras” para o público brasileiro, como Ashito repetindo o bordão do Luva de Pedreiro e por aí vai. Muito recomendado! Caso tenha interesse em acompanhar a versão em quadrinhos, o mangá foi recentemente licenciado pela Editora JBC e deve ser lançado até o final do ano.
O battle royale de futebol
Se Aoashi segue o padrão tradicional de um anime sobre futebol, Blue Lock corre para o extremo oposto ao criar uma história no mínimo bizarra, mas muito intrigante. A trama aqui, escrita por Muneyuki Kaneshiro e desenhada por Yusuke Nomura, começa após o fracasso da seleção japonesa na copa de 2018, quando o país ficou em 16º lugar. Por ser um país muito aficionado pelo esporte, embora não apresente muitos resultados em competições de nível mundial, a seleção japonesa decide ir para o plano mais absurdo possível em busca de uma qualificação melhor.
Primeiro eles contratam o jogador Ego Jinpachi para realizar um verdadeiro experimento social chamado Blue Lock, que consiste em convocar inúmeros adolescentes japoneses de todo o país e confiná-los em um programa cujo objetivo é eliminar todos os maus jogadores até achar a pessoa que colocará a estrela na camisa da seleção japonesa. Ou seja, é um battle royale como estamos acostumados em muitos animes e mangás.
Blue Lock te pega pelo absurdo da situação. A constatação da Seleção Japonesa é que a equipe que disputou a Copa do Mundo é muito "unida" e dependente do "espírito de equipe", então o plano Blue Lock tem como objetivo encontrar a pessoa mais egoísta possível. Inclusive jogadores brasileiros reais, como Pelé e Neymar Jr., são citados como exemplo dessa filosofia bastante deturpada.
E parte da graça do anime é conferir os personagens se “corrompendo”. O protagonista Yoichi Isagi é daqueles que até acredita no poder da união, provavelmente por ter visto trocentos shonens de lutinha na infância, e agora precisa deixar suas crenças de lado para sobreviver no projeto Blue Lock. E tudo fica ainda mais dramático quando o treinador Ego conta que os eliminados da triagem estão eliminados permanentemente de jogar futebol com a camisa japonesa.
Blue Lock não é afetado pela animação tão comum quanto a de Aoashi por conta da natureza da série, afinal está mais próxima de uma “batalha mental” que de partidas de futebol cheias de ação e dribles. A história tem tudo para agradar quem busca algo diferente do esperado de um anime de futebol certinho, embora no fim das contas seja uma obra shonen (para adolescentes).
O anime de Blue Lock está sendo disponibilizado no Brasil semanalmente pela Crunchyroll, com legenda em português, e após algumas semanas, a plataforma tem colocado também os episódios com dublagem em português. Para quem quiser conferir a versão em quadrinhos, o mangá é publicado no Brasil pela Editora Panini.
Correndo por fora
Embora Aoashi e Blue Lock sejam os grandes destaques do ano no quesito anime de futebol, não podemos ignorar outras produções que tentaram aproveitar esse clima de Copa do Mundo.
Provando que timing não é tudo, um ano antes da competição tivemos o lançamento do anime Farewell My Dear Cramer, série de futebol feminino criada por Naoshi Arakawa. A produção teve o orçamento de uma coxinha e um refrigerante, mas conseguiu entreter com um elenco super divertido e muito perrengue enfrentado pela equipe. Infelizmente a série é um pouco confusa por ser a continuação direta do filme Farewell, My Dear Cramer: First Touch, lançado depois (!?) do anime. Ambos animes estão disponíveis no Brasil na Crunchyroll e a editora NewPOP promete lançar em breve Sayonara Futebol, título do mangá usado como fonte para o longa citado.
Outros dois animes que também tentaram aproveitar o clima de Copa do Mundo foram Futsal Boys e Shoot. O primeiro é um anime produzido pela Bandai Namco que, como o próprio título entrega, é uma série de futsal. Não que isso seja importante, porque as regras parecem bastante confusas, e o destaque acaba sendo o elenco de personagens. No caso de Shoot, o anime lançado em 2022 é uma nova adaptação de um mangá clássico dos anos 1990. Aqui você vai encontrar o puro creme dos animes clássicos de futebol, como estudantes de ensino médio, rivalidades e muito drama. As duas séries estão disponíveis na Crunchyroll.
Super Onze: Ares no Tebin/Divulgação
Além desses animes recentes, o Brasil recentemente recebeu em serviços de streaming. Desde 2021 a Crunchyroll disponibiliza em seu catálogo a série de 2018 de Captain Tsubasa e a Pluto TV lançou a inédita Super Onze: Ares no Tebin, uma série alternativa da franquia de muito sucesso no Brasil. As duas se encontram com dublagem em português.
Mesmo se não for do seu interesse acompanhar a saga de Neymar Jr em busca da sexta estrela na camisa da Seleção, há muito anime sobre futebol para te distrair nesse mês meio monotemático. Aproveite!