Existe um conjunto de significados no prêmio de melhor filme do Oscar 2017 que podem ser analisados em diferentes camadas. Nenhuma das razões que dão o merecimento da vitória de Moonlight - Sob a Luz do Luar reduzem o brilho de La La Land - Cantando Estações, no entanto. O musical do jovem Damien Chazelle e o drama de Barry Jenkins abordam questões em campos bem distintos e provocam sentimentos que não se assemelham em natureza. Ambos possuem temas que podem ser recebidos universalmente, temas que são, cada um de sua forma, necessários para nosso tempo. E acima de tudo, temos dois filmes incríveis. Ainda assim, Moonlight ilumina a representatividade de um público marginalizado que ganha, com essa vitória, seu espaço na grande Hollywood.
A sensibilidade com que a vida do protagonista Chiron, da infância à fase adulta, é desenvolvida é um dos grandes acertos do filme, que consegue transmitir sua mensagem sem apelar ao melodrama e apostando em diálogos marcados por momentos de silêncio. Tudo que não é dito pelo protagonista pesa, especialmente em quem já deixou de dizer algo ou se expressar para que não fosse exposto e ridicularizado.
A mãe de Chiron (Naomie Harris), em uma conversa com Juan (Mahersala Ali), o traficante que apadrinha o garoto em sua infância, aponta como filho anda de forma afetada. Vemos também Little Chiron na aula de dança, onde demonstra desenvoltura e movimentos soltos, se destacando das outras crianças. Temos a pergunta que ele faz a Juan, em um dos momentos mais intensos do filme, sobre o que é ser bicha (em inglês, é usado o termo faggot, de significado pejorativo semelhante), algo que deve ouvir com frequência em sua infância perseguida – em casa, na escola e nas ruas. São momentos apresentados ainda no primeiro ato e que constroem sob o silêncio e o jeito contido do protagonista a repressão de quem tem que deixar de ser quem se é.
É muito real e próximo de quem assiste como a homossexualidade de Chiron desaflora. Quando vi Little dançando não pude deixar de olhar para o meu parceiro, com quem eu assistia ao filme e quem havia me contado sobre como gostava de dançar na infância e como isso o fazia demonstrar certa feminilidade desde cedo. Eu mesmo me encontrei na adolescência do protagonista, de moleque magro e desajeitado, quieto, que fantasia sobre as aventuras sexuais contadas por amigos. E seu primeiro contato íntimo com um garoto, em um momento apresentado delicadamente, em que se vê nele um conflito entre a felicidade de encontrar carinho em meio a tanta violência e a culpa pelo prazer que sente, com certeza encontra em muitos um espaço de identificação afetuosa.
Essas observações podem ser feitas em camadas e deixam o filme único – apenas apresentei o que foram minhas impressões como um homem branco e gay. O elenco, de grande peso e talento, é inteiro de pessoas negras e isso traz um universo além da representatividade. Um exemplo é como o crime funciona para os personagens, sendo um destino difícil de se desviar. Eu trabalho em um projeto educacional com adolescentes em regiões carentes de São Paulo e me emocionei ao lembrar de alguns deles quando o vício em crack da mãe de Chiron tem seus desdobramentos apresentados. E, ainda que muitas das situações fujam do meu domínio pessoal, são questões pelas quais me solidarizo e nas quais encontro uma empatia que me comove.
Tudo funciona de forma orgânica e sincera, para que uma boa história seja contada, e você não precisa se identificar com seus temas para que o veja como um baita filme. Como disse a majestosa Viola Davis em seu discurso, ao ganhar o Oscar de melhor atriz coadjuvante, os atores são “a única profissão em que se celebra o que significa viver”. E Moonlight é sobre vidas que existem, mas que têm sua beleza ignorada. Nos resta torcer para que seu impacto não se limite ao prêmio que levou e que alcance um público maior – a Netflix já anunciou que o filme chegará aos assinantes da América Latina na primeira metade do ano. O filme pode ser visto como um importante exercício de empatia, para que outras obras parecidas ganhem mais espaço e que a diversidade de histórias contadas pelo cinema só se enriqueça, para que mais personagens marginalizados, como Chiron e como os muitos que se identificarão com ele, ganhem seu espaço de luz.