
Nessa época, o cinema começava a conhecer as suas potencialidades visuais, sonoras - e persuasivas. O russo Sergei Eisenstein (1898-1948) inventava os fundamentos da propaganda socialista. Hollywood surgia como um meio eficaz de promover os valores da sociedade americana. Renoir aproveita a desencanto do mundo e cria, num filme crítico e apartidário, um manifesto belíssimo da paz. Filho do gênio impressionista Pierre Auguste Renoir (1841-1919), Jean absorveu do pai o gosto pelas artes, a forte referência da fotografia, das paisagens como cenário de dramas humanos. Influenciador de toda a geração da Nouvelle Vague, também contribuiu para a formação da Sétima Arte com pequenos detalhes como o plano-sequência e a perspectiva em profundidade. Já dos serviços prestados ao exército francês na Primeira Guerra, Renoir adquiriu um olhar próprio, realista, sobre as verdades do campo de batalha.
Nos
idos de 1916, um grupo de combatentes franceses acaba aprisionado numa base
do exército alemão. A resistência à situação
acontece de formas diversas, entre tentativas de fuga, espetáculos teatrais
e esperança por boas notícias. "É tudo uma grande
ilusão... esperar que a guerra cesse", esbraveja o tenente
Maréchal (Jean Gabin, 1904-1976). Além dele,
o Capitão Boieldieu (Pierre Fresnay, 1897-1975) e o tenente
Rosenthal (Marcel Dalio, 1900-1973) sonham, cada um a seu modo, com
a liberdade. Depois de alguns meses, os três são tranferidos para
a fortaleza comandada pelo Capitão Von Rauffenstein (Erich
von Stroheim, 1885-1957).
Até aqui, Renoir trata de mesclar momentos de humor e abordagens conscientes com tomadas aéreas e fundos de cena bem ousados. A partir da estadia no castelo alemão, começa a fulgurar um aspecto novo, humanista em sua essência, mas que não dispensa a reflexão social, o miolo da obra. Apesar de unidos, os franceses guardam entre si diferenças indeléveis. Maréchal, um civil camponês, entrara em combate por amor à pátria. O banqueiro Rosenthal, descendente de judeus, faz a alegria dos prisioneiros com o estoque de comida que recebe por correspondência. Boiedieu, enfim, se apresenta como um aristocrata, um legítimo homem de guerra, fiel aos seus ideais.
E exatamente o status de Boiedieu o aproxima do comandante alemão Von Rauffenstein, um anfitrião dedicado, apesar da situação. Entre eles existe um certo sentimento de cumplicidade. Ambos prevêem o futuro desastroso do conflito. Enquanto isso, as comodidades da fortaleza não acalmam Maréchal - que planeja a sua fuga. Assim, coloca-se um dilema: a passividade versus a revolta, a sensação de comodidade contra a amizade. Tido por muitos como um dos melhores filmes da história, foi indicado ao Oscar principal (na época, não havia a categoria Filme Estrangeiro) e ganhou o prêmio do Júri em Veneza. Mas que o tom humanista ou os prêmios internacionais não escondam o desejo de Renoir. Ao fim de tudo, divulgar a máxima: "Da guerra, sobram apenas os derrotados".