Caminhos da Memória tem aquela cara de grande blockbuster hollywoodiano, mas não se engane: o set do longa estrelado por Hugh Jackman foi mais “esquema de guerrilha” do que parece. Em apresentação acompanhada pelo Omelete, a diretora e roteirista Lisa Joy contou que precisou driblar várias limitações orçamentárias para fazer o filme da forma como queria - e o motivo é tão simples quanto é, de certa forma, deprimente.
“Este é um filme original, não faz parte de uma franquia estabelecida ou algo assim, o que significa que é um risco para o estúdio. Por isso, tivemos um pouco menos de tempo do que o normal para gravá-lo, mas mesmo assim eu queria que ele fosse épico. Para fazer isso, tivemos que recorrer a algumas técnicas pouco ortodoxas, inventar algumas coisas”, comentou.
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Para comemorar esse esforço da cineasta, reunimos abaixo as 4 melhores histórias de “perrengues” que Lisa e sua equipe passaram no set de Caminhos da Memória. Confira:
O trem
A diretora nos contou que boa parte do seu filme foi gravada em Nova Orleans, que foi “dublê” de Miami, onde se passa a história. Mesmo assim, ela quis ir à famosa cidade floridiana para gravar algumas cenas específicas - o que só foi possível com uma equipe reduzida, “sem os luxos usuais de Hollywood”, e com apenas três dias para capturar tudo o que era preciso para o longa.
A pressa levou a um momento curioso em que Joy e seu protagonista, Jackman, embarcaram em um trem em Miami para gravar várias cenas diferentes em sequência. Sem tempo para se trocar em um ambiente apropriado, o ex-astro de X-Men precisou fazer suas trocas de figurino dentro do vagão… a plena vista dos cidadãos de Miami, que estavam simplesmente esperando pela passagem do trem.
“O trem parava em uma estação, as portas se abriam, e as pessoas comuns de Miami do lado de fora olhavam meio curiosas: ‘Aquele lá é o Hugh Jackman seminu?’. Todo mundo começava a gritar, mas daí as portas se fechavam, o trem partia, e nós continuávamos gravando a próxima cena”, contou a diretora.
Já pensou se deparar com essa cena enquanto pega o transporte público para o trabalho, em uma bela manhã de segunda ou quarta-feira?
As enguias
Em uma das cenas de ação mais marcantes de Caminhos da Memória, Nick (Jackman) vai até o bar do criminoso Saint Joe (Daniel Wu) para descobrir mais sobre o paradeiro de sua amada Mae (Rebecca Ferguson). Lá, o nosso protagonista é torturado de uma forma curiosa: os capangas de Joe o seguram e mergulham a sua cabeça em um aquário repleto de enguias, criaturas marinhas agressivas, que são capazes de dar choques elétricos para se defender.
“Eu vou te dizer uma coisa: todo mundo no elenco foi ótimo. As únicas que eu tive que demitir foram as enguias. Elas eram atrizes terríveis, um pesadelo”, brincou Lisa Joy sobre os bastidores da cena. O roteiro original incluía um tigre no lugar das enguias, mas ela tentou “diminuir a escala” para ajudar na economia do orçamento - uma decisão da qual se arrependeria mais tarde.
“A equipe de treinadores nos falou sobre como elas eram violentas, como poderiam começar a se atacar e se despedaçar dentro do aquário, e como poderiam fugir se o aquário não fosse coberto por uma tampa bem pesada de metal. Depois de ouvir tudo isso, todo mundo ficou em um silêncio mortal na hora de finalmente trazer as enguias ‘assassinas’ para o set”, disse.
Joy e sua equipe se decepcionaram, no entanto, já que os animais não estavam muito a fim de atuar naquele dia. “O treinador tentou jogar comida na água para elas acordarem, tentou chacoalhar o aquário… Elas só queriam dormir. Então eles finalmente nos falaram: ‘Elas são noturnas. Acho que só vão acordar quando o sol se pôr’. Ninguém tinha me avisado disso! Tive que demitir as enguias e usá-las só como base visual para versões em CGI”, contou a diretora.
O take de abertura
Caminhos da Memória começa com uma impressionante tomada aérea da Miami invadida pelo mar que serve como principal cenário da história futurista do filme. Em um take único, a câmera vai se aproximando lentamente de uma rua específica e logo foca em Nick, entrando no seu escritório para atender um cliente.
O início da cena, mostrando a cidade toda, foi realizado com efeitos visuais, é claro - mas a segunda parte dela, conforme nos aproximamos do protagonista, normalmente seria feita com um drone ou uma grua adequada para movimentar a câmera, suspensa a muitos metros do chão, pela rua. O problema é que a produção de Caminhos da Memória não tinha acesso a nenhuma das duas coisas.
“No dia das filmagens, o que tínhamos era uma grua fixa, que não foi feita para se mover”, contou Lisa Joy. “Mas eu fiquei olhando para ela e para a rua, e vi que um dos cenários ao redor da rua principal tinha um espelho grande na parede. Então eu peguei o espelho e coloquei ao lado de uma poça d’água que tinha se formado na rua, fixei ele lá com o chiclete que estava mascando”.
A ideia da cineasta era usar a reflexão da água no espelho para dar a ilusão de uma transição direta entre a tomada maior, feita em CGI, e o take da rua semi-alagada. “Só que a nossa grua não era feita para se mover sozinha, certo? Então eu decidi que íamos apenas empurrá-la pela rua. Toda a equipe se uniu para fazer isso, abandonando suas funções. Foi um caos, porque a rua era cheia de buracos e o braço da grua começou a se curvar da forma errada. Hugh teve que fazer a cena dezenas de vezes até acertarmos”, disse.
Suamos aqui só de ouvir essa história!
Hologramas
Um dos aspectos mais interessantes de Caminhos da Memória é a “máquina da reminiscência”, tecnologia operada pelo protagonista e pela parceira Watts (Thandiwe Newton), que permite que os clientes dos dois mergulhem totalmente em suas memórias, revivendo-as como se fosse a primeira vez. No filme, Nick e Watts conseguem assistir a essas memórias também, em um enorme holograma 3D.
“Eu não queria fazer da forma mais fácil, que seria colocar uma tela na qual Nick poderia ver a memória das outras pessoas. Queria que fosse algo que ele pudesse investigar, rodear, ver com alguma dimensão - como se fosse um holograma de verdade. O problema é que hologramas não existem, certo? Então tivemos que inventar um”, brincou Lisa Joy sobre a tecnologia.
A solução encontrada pela equipe do filme foi complexa: gravar as cenas que os protagonistas veriam no holograma meses antes, tomando muito cuidado com os ângulos e movimentos de câmera - que, no set principal, seriam reproduzidos milimetricamente pelos atores. “A rotação, o ritmo, tudo era levado em consideração. [...] No dia de gravar a segunda cena, isso se tornava uma dança muito complicada, na qual alguém com um projetor transmitia a imagem que já tínhamos filmado enquanto se movia lentamente ao redor da máquina para acompanhar os atores”, explicou ela.
Conforme a trama do filme vai se desenvolvendo, no entanto, as coisas se tornam mais complicadas. “Chegamos em um ponto no qual vemos alguém se lembrando de se lembrar de algo, ou alguém se lembrando de usar a máquina para acessar uma lembrança. Nesse ponto, se tornou uma loucura - seis camadas desse processo todo, uma em cima da outra. Era como jogar xadrez em três dimensões, e estávamos o tempo todo fazendo contas e tomando medidas”, completou.
Caminhos da Memória está em cartaz nos cinemas brasileiros. Caso siga a regra geral para os filmes da Warner Bros., o longa deve chegar ao streaming HBO Max dentro de 35 dias - ou seja, por volta de 23 de setembro.