Viola Davis é uma atriz formidável. A essa altura do campeonato, com virtualmente todos os prêmios possíveis em seu nome e podendo se gabar de ser uma das únicas pessoas em Hollywood ainda capaz de tirar um filme original de orçamento considerável do papel, fato ainda mais impressionante quando se considera que ela não é branca, é difícil discutir com esta avaliação. Capaz de construções dramáticas complexas, mas também dona de carisma rivalizado por poucos na indústria, ela domina integralmente os papéis que lhe cabem em G20: o de protagonista estadunidense honrada e dedicada à família, o de heroína de ação dinâmica e cheia de recursos, e o de líder mundial que tenta navegar um campo minado de desavenças e interesses conflitantes para executar um plano caridoso que mira em “acabar com a fome ao redor do mundo”.
Este último, é claro, é o papel mais difícil, mas também o mais interessante. G20 – que conta com um roteiro assinado a oito mãos por Caitlin Parrish (Supergirl), Erica Weiss (The Red Line), Noah e Logan Miller (White Boy Rick) – começa bem ao destrinchar as relações que definem o seu mundo político. A nossa presidente Sutton (Davis), por exemplo, não se dá muito bem com o primeiro-ministro britânico (Douglas Hodge), pintado por uma de suas conselheiras mais próximas como um misógino inveterado. Já a recém-eleita presidente do FMI, Elena (Sabrina Impacciatore), não parece disposta a concordar com o plano de Sutton por considerações mais… digamos, puramente gananciosas.
A nossa protagonista, portanto, já tem um desafio gigantesco em mãos antes mesmo de Rutledge (Antony Starr), um veterano de guerra traumatizado, sequestrar os líderes mundiais no meio da conferência do G20 para tentar derrubar a economia global e fazer bilhões de dólares para si mesmo no processo. Há uma premissa fascinante aqui, entrelaçando e examinado as relações e interesses das pessoas mais poderosas do mundo diante de uma ameaça extraordinária - não uma que faça suas diferenças parecerem triviais, veja bem, mas uma que desafie ainda mais a retórica de união que grandes conferências institucionais são feitas para projetar. É claro que o esforço diplomático é essencial, mas ele é também um jogo de relações muitas vezes sujo.
Mas isso é a premissa. Na outra direção, pouco interessado nessas coisas, está o filme do Prime Video – talvez nem surpreendentemente. Quando confrontada com um vilão que alicia a revolta contra as guerras injustificadas do Ocidente - um sentimento expressado com intensidade ímpar por Starr, ótimo nos momentos climáticos do longa -, a nossa heroína presidencial recorre ao discurso do “não importa o que acontece com você, mas sim como você reage”. Por sorte, Davis vende essa posição com a consciência aguda de que ela é uma das poucas saídas para o tipo de trauma vivido por esses dois personagens (Sutton também é uma veterana de guerra), e suas inseguranças sobre a legitimidade da posição que alcançou se apoiando no passado militar também parecem bem reais nas mãos da atriz.
Acontece que, até por necessidade, G20 não é um filme só de Viola Davis. É também, por exemplo, um filme de Patricia Riggen - a cineasta mexicana já assinou episódios de Jack Ryan e Law & Order: SVU, além de filmes como Os 33 e Milagres do Paraíso -, e a grande decepção aqui é que ela simplesmente não demonstra senso de ritmo para a ação. Por exemplo: um dos grandes momentos badass da protagonista, também apresentado com perfeição física por Davis, é inexplicavelmente entrecortado com movimentações de trama muito menos interessantes, quebrando totalmente o cinetismo daquele confronto, por mais que ele seja executado com precisão técnica.
Até dá para entender de onde vem essa vontade de compartilhar o holofote dedicado à protagonista, mas não deixa de ser uma frustração. A ideia de G20 é apresentar a presidente Sutton como a heroína capaz de fazer todos ao seu redor trabalharem juntos na direção de algo justo, e para isso é preciso que os esforços que levam à derrocada dos vilões sejam coletivos. E tudo culmina em um salvamento tão absurdo diante das realidades políticas com as quais a trama esbarra que até o próprio filme parece envergonhado dele, cortando o mais rápido possível para os créditos.
Vender uma fantasia, claro, é prerrogativa do cinema - e o gênero de ação é um dos melhores veículos para fazer isso, especialmente quando se trata de fantasias de poder para um público “comum” totalmente alienado dele na vida real. Mas G20 derrapa no fato de que sua fantasia é justamente a contrária a essa: aquela em que seguimos sem poder nenhum, mas os poderosos cuidam de todos nós com as melhores das intenções, e um espírito de cooperação impecável - com os EUA na liderança, é claro. A maior arma que o filme tinha na missão quase impossível de nos convencer dessa utopia institucional anglocentrista era Davis, e G20 peca justamente por não depositar todo o peso do mundo nos ombros dela.
G20 (2025)
G20
Ano: 2025
País: EUA
Duração: 108 min
Direção: Patricia Riggen
Roteiro: Caitlin Parrish, Noah Miller, Logan Miller, Erica Weiss
Elenco: Douglas Hodge , Antony Starr , Viola Davis , Elizabeth Marvel , Anthony Anderson , Sabrina Impacciatore
G20 só o carro. O resto é resto.