O Americano tranqüilo (The quiet american, de Phillip Noyce, 2002), baseado no romance homônimo do britânico Graham Greene (1904-1991), nos leva mais uma vez ao Vietnã, palco de grandes embates históricos. Apesar do assunto já ter sido explorado à exaustão pelo cinema mundial, o filme tem inúmeros pontos a seu favor, que justificam sua existência, garantindo uma nova abordagem ao dramático conflito.
O livro
Greene viveu em Saigon (centro comercial ao Sul da Indochina, ocupado pelos franceses) entre 1952 e 1957, como correspondente estrangeiro do jornal The Times. O jornalista acompanhou todo o esforço francês para reocupar o território de sua ex-colônia e derrubar os comunistas do Norte do país, comandados por Ho Chi Minh. Mas o que Greene pôde constatar, além da derrota dos europeus, foi a influência obscura dos norte-americanos nos assuntos do Vietnã, inclusive financiando comandos terroristas do Sul e incentivando o conflito contra os comunistas concentrados na capital, Hanói.
Mais tarde, em 1959, a presença dos EUA causaria o estrago mundialmente conhecido e até hoje lembrado como uma vergonha diplomática. O relato de Greene ganha uma brutal importância, e até uma certa clarividência, por denunciar essa autoritária intromissão ianque desde a primeira metade dos anos 50. Ganha, também, em valor literário. A exemplo de Fim de Caso (seu romance de 1951, também transformado em um ótimo filme), o autor consegue balancear tramas amorosas com um complexo pano de fundo político. Thomas Fowler é o sarcástico jornalista inglês, um velho que preza as suas transas clandestinas, e Alden Pyle não passa de um jovem sonhador norte-americano, defensor da democracia e do ideal matrimonial. Amigos e rivais, os dois competirão pela paixão de uma jovem vietnamita. Cada diálogo entre os dois protagonistas revela um embate nunca menos que brilhante.
O filme
A primeira adaptação do livro surgiu logo após sua publicação, em 1958, com direção do legendário Joseph L. Mankiewicz (1909-1993), mas tinha um suspeito viés pró-americano. Já o versão de Noyce, quase virou um daqueles filmes que vai direto para as locadoras. Não pela sua qualidade, mas porque após os atentados de 11 de setembro de 2001, a Miramax segurou o projeto, já totalmente concluído, por achá-lo ofensivo contra os Estados Unidos. Não fossem as reclamações públicas de Michael Caine, intérprete de Fowler, O Americano Tranquilo dificilmente seria visto na telona. Tanto por seu esforço quanto por sua atuação, Caine ganhou uma merecida indicação à concorridíssima categoria de Melhor Ator no Oscar. Brendan Fraser, o norte-americano, apresenta-se de forma igualmente notável.
Mas nem tudo conspira a favor da película. A começar pelo trailer equivocado, um revoltante estraga-surpresas. Habitual gerenciador de thrillers, como os recentes O Santo (The Saint, 1997) e O Colecionador de Ossos (The Bone collector, 1999), Noyce dirige de forma inconstante. Em certos momentos privilegia as sequências de ação, quando o mais indicado seria trabalhar a psicologia dos personagens, como acontece no romance. Ótimas atuações à parte, os méritos do filme cabem, na prática, ao texto original.
Aliás, voltando à questão inicial do texto: tais temáticas são urgentes, de tempos em tempos. Feridas de guerra não se fecham enquanto erros ainda são cometidos, bons filmes de guerra ainda serão feitos enquanto iluminarem pontos obscuros da conduta humana. E nesse ponto O Americano Tranquilo justifica-se como um filme salutar. Aproveito para colocar aqui uma afirmação que valeu para os anos 1800, valia para o Vietnã - e vale hoje, dias de Bush e Saddam. Versos irônicos de Lorde Byron (1788-1824) que Greene emprega na epígrafe do livro:
Esta é a época patente de novas invenções
Para matar o corpo e salvar as almas
Tudo propagado com a melhor das intenções
Ano: 2002
País: EUA, Alemanha, Austrália
Classificação: 14 anos
Duração: 118 min
Direção: Phillip Noyce
Elenco: Michael Caine, Brendan Fraser, Do Thi Hai Yen, Tzi Ma, Robert Stanton, Rade Šerbedžija