Quando a minissérie Pam & Tommy chegou, no ano passado, deve ter deixado os membros da família Anderson bastante zangados. De fato, em dado momento do documentário Pamela Anderson, Uma História de Amor, um dos filhos da atriz liga para ela e conta, enfurecido, que assistiu 3 episódios e que os roteiros tentavam dar motivações para Rand Gauthier (Seth Rogen) ter decidido roubar o cofre onde estava a infame sex tape que atormentou a vida de Pamela para sempre.
E é importante dizer isso: a vida atormentada foi mesmo a de Pamela. Em entrevistas, Tommy Lee nunca demonstrou nenhum tipo de incômodo em ver sua vida retratada na minissérie. A sex tape, de fato, só ajudou a melhorar sua imagem de rockstar, tatuado, malvadão e bem-dotado. Por mais dura que a minissérie seja com o clichê ambulante que Tommy era, nada o atinge como atinge Pamela; e são os pesares dela que se tornam material narrativo para a produção. A mulher é sempre quem paga o pato em situações como essa. Chega a ser aflitivo ver os traumas da atriz voltando à tona conforme a iminência da minissérie se aproxima no horizonte.
É possível entender, enfim, porque a atriz ficou tão incomodada quando soube que a minissérie aconteceria. O trabalho de Lily James como Pamela é absolutamente impressionante, mas a minissérie é exagerada, muitas vezes brega, não se esforça exatamente para amenizar os fracassos da estrela e nem sua falta de bom senso. Apesar de nos atentar para as injustiças e machismos que cercaram Anderson, Pam & Tommy é tão cartunesca que esvazia seus recortes sócio-políticos.
É claro, então, que Pamela correria atrás para salvar algum aspecto da própria história. Desde Baywatch, sua vida foi norteada por seu sex appeal e o vazamento da fita reforçou a impressão de que o sexo era tudo no qual se resumia a figura de Anderson. Ela também já devia saber que a minissérie se basearia no artigo da Rolling Stone que contou os detalhes do roubo da fita; o que a fez tomar a decisão de focar o documentário na esfera afetiva. Sendo assim, Pamela Anderson: Uma História de Amor nasceu para ser uma resposta direta à ótica hollywoodiana. Mas, acabou sendo uma resposta apática e desinteressante.
Humanizando Pamela
A primeira coisa a se saber sobre esse documentário é que ele tem como prioridade levar em consideração os sentimentos de Pamela sobre tudo que lhe aconteceu. Ele funciona em primeira pessoa, com um recorte selecionado do que ela quer dizer e do que ela quer mostrar. Em busca de livrar-se da personagem hipersexualizada que a tornou famosa, a atriz cria outra: a Pamela que leva sua vida pautada pelo amor, tendo sido ele, em resumo, sua força motora em todos os seus anos de existência. Nesse intuito, Anderson lê os próprios diários, ansiosa para retomar o controle por uma ótica que não lhe seja novamente roubada.
Há poucos depoimentos de terceiros. Um dos filhos oferece uma boa perspectiva do que foi ser filho de dois ícones do estilo de vida sexo, drogas e rock’n roll; a mãe confere certa ternura em alguns momentos... Mas, categoricamente falando, o interesse de Pamela é o de mostrar seus sucessos, suas vitórias, suas motivações românticas... E ela está certa. Se você acha que tem o poder de conseguir dar a sua versão dos fatos, deve fazê-lo. Contudo, as autobiografias - como um todo - tendem a carecer de perspectiva e quase sempre soam uma autopromoção vazia. Pam & Tommy peca em explorar o que foi excessivamente explorado, mas ganha em complexidade; por mais exagero que contenha.
A edição do documentário até que se empenha bastante em ilustrar a vida e a carreira de Pamela com o máximo de registros audiovisuais. Nesse ponto, ele funciona bem. Infelizmente, na maioria dos casos em que cortamos para os depoimentos de Pamela, eles soam infantilizados, ansiosos demais para compor uma imagem “fofa” que desminta o furacão sexual que essa própria história sublinha. Em alguns pontos, esses depoimentos chegam a ser ligeiramente delirantes.
Pamela é muito interessante em seu conflito constante de exposição e exploração, mas tudo no documentário é muito menos análise do que poderia. Ela não parece compreender, em grande parte do tempo, que muitas daquelas relações que ela se esforça para etiquetar com o rótulo do amor, também tiveram papel em seu histórico de abusos. Ela também não sabe, mas essa é a única coisa que a minissérie e o documentário têm em comum: ambos terminam “admitindo” que apesar de tudo, havia o amor (ou o que quer que houvesse e que pudesse ser chamado disso).
No primeiro semestre do ano passado, enquanto a minissérie estava no ar, Pamela estreou como Roxy Hart na Broadway e foi ovacionada pela crítica especializada. Essa talvez tenha sido sua maior e melhor resposta ao esmagamento machista que a perseguiu por todo esse tempo. Pamela teve sua privacidade roubada e esse roubo levou a outras privações das quais ela demorou muito tempo para se recuperar. Faz sentido que diante de mais uma exploração não-consentida de sua vida, ela tenha resolvido rebater com a própria voz. Seu talento, contudo, fala melhor que suas ansiosas palavras. Apesar de o documentário ser raso e moroso, é bom ver Pamela terminar de se contar com a melhor reviravolta de todas: por causa de Roxy ela está nas páginas dos jornais novamente... e pelos motivos certos.
Ano: 2023
País: EUA
Direção: Ryan White
Elenco: Pamela Anderson