Tive a oportunidade de ver o francês Polissia (Polisse) duas vezes. Na primeira, no Festival do Rio 2011, poucos meses depois de a diretora Maïwenn ter ganho o Prêmio do Júri presidido por Robert De Niro no Festival de Cannes, o filme chamou a atenção por seu trabalho de câmera rápido, urgente. Na segunda vez, um ano depois, essa câmera me pareceu a serviço de um registro esquemático, e o que era ágil virou superficial.
polissia
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O título do drama escreve a palavra "polícia" errado porque o seu tema são crianças, em sua maioria, em idade de alfabetização. A própria Maïwenn interpreta Melissa, uma fotógrafa e jornalista que tem acesso à rotina da divisão da polícia de Paris que cuida de crimes de abuso de menores. Os casos vistos no filme - pedofilia, tráfico, prostituição - são inspirados em fatos, e sua ficcionalização espelha os dramas de disfunção familiar vividos pelos vários protagonistas, como a policial que não consegue engravidar ou o policial, à beira de um divórcio, que mal vê a filha.
Somos colocados de imediato nesse cruzamento porque a delegacia, com suas salas apertadas, parece um núcleo de novela: todo mundo acompanha tudo o que se passa ali; às vezes juntam quatro ou cinco oficiais, de pé e de braços cruzados, para ouvir um depoimento. Aquela sensação de urgência vem do esforço da câmera do diretor de fotografia Pierre Aïm para pegar a ação toda. Às vezes um personagem fala em close-up, mas o que importa é a reação de outro personagem, posicionado lá no fundo, e muitos diálogos ficam cortados - combinação que dá a impressão de que algo sempre nos escapa.
Como o filme lida com questões cheias de pormenores (as duas cenas iniciais ilustram como é difícil usar testemunhos de crianças em casos de abuso, e colher depoimentos exatos e claros se torna ainda mais crucial), pegar apenas os fragmentos do que se vê e do que se ouve deixa tudo mais angustiante. O impacto inicial positivo de Polissia vem daí. É um filme muito eficiente na forma como usa o naturalismo (as atuações do elenco são uniformemente boas, favorecidas pela fluidez da câmera) para escolher quais informações nos dará ou nos sonegará.
Talvez seja a constatação desse artifício que deixa, na reprise, Polissia tão à mercê de uma segunda análise. A ideia de transformar a delegacia num microcosmos onde tudo acontece passa a soar ingênua (a cena no final em que todos os policiais deixam seus filhos na escola é de teledramaturgia mesmo), e as relações de causa e efeito agora parecem forçadas (a parceira da policial que quer engravidar sabe dessa condição, mas ainda assim não faz nada para impedir que ela tenha que manusear o bebê morto de uma vítima de estupro).
Em certa cena, a mãe drogada de um bebê ferido é levada para a delegacia, e depois de prender-lhe o chefe de polícia diz: "Pois é, polícia, algemas, prisão, a vida é assim". Há inscrita nessa fala uma auto-importância que, no fim, atravessa o filme todo. A principal falha de Polisse é esvaziar os casos reais para dar aos pequenos dramas dos policiais uma gravidade que eles nem sempre têm.
Ano: 2011
País: França
Classificação: 14 anos
Duração: 127 min
Direção: Maïwenn
Elenco: Karin Viard, Joey Starr, Marina Fois, Nicolas Duvauchelle, Maïwenn, Karole Rocher, Emmanuelle Bercot, Frédéric Pierrot, Arnaud Henriet, Naidra Ayadi, Jérémie Elkaïm, Riccardo Scamarcio, Sandrine Kiberlain, Wladimir Yordanoff, Louis-Do de Lencquesaing, Laurent Bateau, Carole Franck, Anne Suarez, Audrey Lamy, Sophie Cattani, Marcial Di Fonzo Bo, Anthony Delon, Riton Liebman, Alice de Lencquesaing, Nathalie Boutefeu, Alain Attal, Maëva Pasquali, Lou Doillon, Bine Sarambounou, Luna Turcat, Carla Guffroy, Gaye Sarambounou, Malonn Lévana, Emmanuel Gayet, Valérie de Monza, Wendy Nieto, Nina Rodriguez, Elise Amblard, Alexandre Carrière, Laurence Arrouy, Albert Igual, Hervé Temime, Amina Annabi, Manon Tournier, Maïlys Amrous, Joseph Créhange