Não foi à toa que Jon M. Chu se tornou um diretor tão popular entre os grandes estúdios. Durante a trajetória do cineasta, da franquia Ela Dança, Eu Danço até o sucesso surpresa de Podres de Ricos, ficou claro que ele tinha um talento essencialmente hollywoodiano, mas também bastante raro na Hollywood da atualidade: o de fazer transparecer, na tela, as montanhas de dinheiro que os conglomerados do entretenimento atiram na direção de seus projetos mais prestigiados. Na era em que produções de centenas de milhões frequentemente atraem críticas por efeitos especiais pouco convincentes ou visuais de tela verde chapados, Chu faz filmes que não só esbanjam luxo como filmam esse luxo efetivamente.
Wicked: Parte Um não é diferente. Nas mãos do cineasta e de sua diretora de fotografia Alice Brooks (tick, tick… BOOM!), a adaptação do musical da Broadway se torna um passeio encantador por cenários coloridos e looks espertamente realizados - cortesia do designer de produção Nathan Crowley (refinando aqui o seu trabalho similar em Wonka) e do figurinista Paul Tazewell (Amor, Sublime Amor), que misturam habilmente o artificial e o natural para criar uma Oz equilibrada na linha tênue entre nostalgia, inovação, fantasia e credibilidade. É um time que acerta também, inclusive, quando decide encarar a origem teatral da trama como virtude, e não problema a ser contornado.
Nasce dessa atitude um filme musical que acena para a herança clássica do gênero, com Chu realizando uma imitação - ainda que pálida - de Busby Berkeley nos números mais carnavalescos que permeiam Wicked. Isso acontece principalmente quando Glinda (Ariana Grande) e Elphaba (Cynthia Erivo) estão conhecendo novos cenários, seja a Universidade de Shiz ou a Cidade Esmeralda, e o longa explode em um caleidoscópio de dançarinos e passos ensaiados, que o diretor filma em uma alternação sábia entre a câmera estática - fascinada por movimento, mas não se movimentando ela mesma - do musical da era de ouro de Hollywood e os voos mais óbvios que definem o blockbuster contemporâneo.
Wicked: Parte Um, enfim, é um espetáculo hollywoodiano plenamente realizado como tal. Mas Chu é também um artista consciente de que isso não é o bastante para se garantir como narrativa com a qual o público vai se importar - o que não falta na história de Hollywood, passado e presente, são produções vistosas que afundaram por não conquistarem como história. E, se em Podres de Ricos ele se apoiou em Constance Wu e - especialmente - Michelle Yeoh para construir uma dinâmica que alçasse o filme além do luxo, em Wicked ele faz a mesma coisa com suas novas musas: Ariana Grandee - especialmente - Cynthia Erivo.
Como a futura “bruxa boa” Glinda, Grande surpreende ao mostrar dexteridade de comediante clássica. Sua caricatura de menina malvada de colegial, que combina em tudo com a persona que apresenta na música pop, se mistura aqui com a linguagem corporal de uma Lucille Ball e os passos leves de uma Ginger Rogers. Jogadas de cabelo que desaguam em tropeços para trás, espacates no ar que terminam com um passinho hesitante para o lado, e por aí vai. Especialmente em “Popular”, indiscutivelmente a grande canção da personagem, Grande preenche a tela como uma estrela de comédia da primeira prateleira… e faz isso sem perder de vista que sua Glinda não é a personagem empática da história.
Wicked, afinal, é em grande parte sobre como nunca podemos confiar em um bully. E é ao expressar a ingenuidade (ou talvez seja mais caridoso dizer “vontade de acreditar”) e coração partido de quem comete esse erro que Cynthia Erivo se torna a presença definidora do filme. Esbanjando entendimento da personagem, ela empresta a Elphaba um simulacro de dureza que é tão admirável quanto trágico, uma fome por aceitação própria que é dolorosamente real tanto quanto é triunfalmente superada pela vontade de ajudar os outros e se manter fiel aos seus princípios. Inspiracional e acessível, Erivo entrega a atuação de uma carreira em um papel que deve consolidá-la como estrela de primeira grandeza - e que salva o filme em que está inserida de um equívoco fatal.
Porque Wicked é também sobre como heróis quase nunca são aqueles que se pintam como tal. E uma produção sobre aparências e narrativas que enganam perderia todo o seu ponto sem ter, em seu centro, a presença humana que faz dela algo além de sua superfície perfeitamente polida de produto hollywoodiano.
Ano: 2024
País: EUA
Duração: 160 min
Direção: Jon M. Chu, Jon M. Chu
Roteiro: Dana Fox, Winnie Holzman
Elenco: Ariana Grande, Jonathan Bailey, Cynthia Erivo, Jeff Goldblum, Michelle Yeoh