ATENÇÃO: Spoilers de Pinguim a seguir!
Quando o Batman de Matt Reeves chegou aos cinemas, lá em 2022, ficou claro que a maior virtude dessa nova versão do herói era trazer o Homem-Morcego para um contexto que combinava o “sombrio e realista” que dita o cinemão hollywoodiano contemporâneo com as características inteiramente irreais - e, por isso mesmo, inteiramente representativas da realidade - da Gotham City dos quadrinhos. Pinguim, por outro lado, meio que transformou esse equilíbrio em brincadeira: a série começou com a balança pendendo mais para o lado do quadrinesco, mas foi fazendo curvas na direção do tradicionalmente dramático com o passar dos episódios, culminando na semana passada em um capítulo sóbrio dedicado aos abusos do sanatório de Arkham.
“Homecoming” é de certa forma uma continuação dessa mesma brincadeira, mas aumentando a frequência com a qual o pêndulo se move de um lado para o outro. No roteiro assinado por Breannah Gibson (Young Love) e Shaye Ogbonna (The Chi), e na direção certeira de Helen Shaver, Gotham City está constantemente vestindo e despindo um disfarce de normalidade até bastante convincente, nos atraindo para uma falsa sensação de familiaridade que é imediatamente quebrada pelo que o universo Batman tem de mais grotesco e extrapolado em seus cenários e situações. E, quer saber? Por ser tão francamente operada, essa oscilação mais diverte - e dá peso às entrelinhas pop da série - do que incomoda.
Sempre que Sofia Falcone (Cristin Milioti) está em cena, por exemplo, Pinguim se delicia em retorcer a história de máfia que começou contando para se encaixar na pose de supervilã novelística da personagem, completa com um casaco de pele decadente e um delineado preto melodramático. Conforme ela termina de dar o golpe em seus parentes e sugere uma aliança com Sal Maroni (Clancy Brown) para derrotar o protagonista, o roteiro de Gibson e Ogbonna abandona sem cerimônia o simulacro de Família Soprano que parecia tão caro aos críticos no começo da temporada, optando por um confronto clássico de super vilões ao invés disso.
Oz (Colin Farrell), enquanto isso, vai adquirindo traços cada vez mais caricatos conforme é empurrado para extremos de crueldade pelas adversidades em seu caminho. Natural, portanto, que ele termine o episódio retornando à sua antiga vizinhança - renderizada em detalhes caóticos de carros capotados (“Olha só, estacionamento privilegiado”) e lixo nas ruas pela direção de arte da série, Crown Point se transfigura no lugar onde o Pinguim confronta a sua relação ressentida com a mãe antes de se enterrar nos esgotos de Gotham, onde ele sempre pertenceu. E o momento se mostra catártico de uma forma integral, que vai muito além do easter egg ou da nerdice.
O que a série muito claramente conseguiu fazer, no fim das contas, foi aquilo que toda história em quadrinhos de qualidade consegue: criar personagens profundamente reais dentro de um mundo profundamente irreal, e contar com eles uma história que abraça com empolgação e senso de humor ambos os adjetivos. É um triunfo admirável.