Mayara & Annabelle é um dos maiores fenômenos no mercado brasileiro de quadrinhos independentes. Iniciada no meio dos anos 2010, a história das caçadoras de eventos sobrenaturais de Pablo Casado e Talles Rodrigues começou com campanhas de financiamento coletivo, foi levada aos Estados Unidos pela editora texana Behemoth Comics, ganhou um premiado jogo para celular e, agora, atinge um novo ápice com uma edição definitiva da Conrad. Essa trajetória reflete a vida desenfreada e cheia de surpresas que suas personagens-título têm dentro das páginas. Assim como o gibi que estrelam, Mayara e Annabelle crescem a cada edição, se conectando com seus leitores e presenteando-os com uma leitura satisfatória cheia de situações identificáveis.
Desde seus primeiros quadros, que mostram a ninja Mayara desabafando com o chefe em uma tradicional mesa de bar, fica claro por que a HQ conquistou o público de maneira tão arrebatadora. A brasilidade presente em Mayara & Annabelle imediatamente leva o leitor a se sentir parte da história, sentimento exponenciado pelo traço de Rodrigues, que traduz cada golpe de espada, feitiço ou gole de cerveja mostrados na página. Esse dinamismo pode ser visto também na construção dos cenários, que incluem São Paulo, Fortaleza e uma versão fictícia do interior cearense. Mesmo os desenhos de plano aberto atiçam a imaginação, como se o gibi incluísse cada som e cheiro dos ambientes que reproduz.
Há, de certa forma, um patriotismo na maneira como a história é escrita e ilustrada. Os monumentos, praias e botecos casam perfeitamente com os maneirismos e vícios de linguagem regionais incluídos no texto de Casado, que equilibra magistralmente aspectos da comédia policial norte-americana com a linguagem narrativa brasileira. Muito além dos diálogos, há uma compreensão histórica da descrença nacional em órgãos públicos e da cultura coronelista, que segue forte em cidades interioranas.
Embora Mayara & Annabelle tenha “estreado” há sete anos, suas páginas seguem incrivelmente atuais. Alinhado à agilidade que o grande público de quadrinhos está acostumado a consumir, o gibi conversa com millenials e zoomers, trazendo idiossincrasias de ambas as gerações para a personalidade de suas protagonistas e abordando com naturalidade temas como sexualidade e religião. Ágeis, os diálogos da HQ tornam a parceria da ninja e da maga realista, mesmo acontecendo em um contexto fantasioso. A evolução de sua parceria é perceptível em falas corriqueiras feitas por Casado e nas pequenas mudanças visuais que Rodrigues faz a cada capítulo.
Atemporal e deliciosamente brasileiro, Mayara & Annabelle é daqueles gibis de leitura fácil e divertida, especialmente com a nova coletânea, e que marca por sua identidade única e capacidade de fazer o leitor se sentir parte da narrativa. Mesmo depois de sete anos de sua primeira publicação, a aventura sobrenatural cearense segue sendo uma viagem gratificante, tanto para novos leitores quanto para quem acompanha a dupla desde 2014.
Roteiro: Pablo Casado
Ano: 2021
Desenhista: Talles Rodrigues
Editora: Conrad