Kirby, McFarlane e as biografias que tem pra hoje

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Kirby, McFarlane e as biografias que tem pra hoje

HQ apaixonada celebra o artista que faria 103 anos; já o criador de Spawn ganha doc dos amigos

28.08.2020, às 17H59.

Jack Kirby completaria 103 anos hoje. Se ainda estivesse por aqui, provavelmente teria barba de Odin, todas as rugas da Vovó Bondade e a cadeira do Metron controlando os sinais vitais. Com prancheta acoplada.

Saiu há pouco nos EUA Jack Kirby: The Epic Life of the King of Comics, primeira biografia em quadrinhos do Rei Kirby. O autor é Tom Scioli, quadrinista de Pittsburgh que sempre quis se mostrar o maior fã kirbyano em HQs como Gødland, Super Powers, Fantastic Four: Grand Design e na gloriosa American Barbarian (tudo inédito no Brasil, infelizmente).

De um fã desses, quando vai escrever uma biografia, espera-se o que chamam de hagiografia – as biografias dos santos, de seres perfeitos e sem falhas que viveram para fazer parte do divino. É quase.

Scioli fez pesquisa séria. Juntou todos os cacos da história de vida de Kirby que se encontra em alguns livros, algumas HQs e várias entrevistas para desenhar desde a vida dos progenitores na Áustria-Hungria até o falecimento em 1994 – e um pouco do que veio depois. 

Por exemplo: Os Eternos e Novos Deuses, filmes de mega-orçamento no calendário próximo da Marvel Studios e na Warner/DC, provavelmente vão destacar bastante o nome de Kirby. Já são mencionados na HQ.

Tem uma decisão de Scioli que me incomoda: seus desenhos são relativamente realistas, fora quando desenha o próprio Kirby. O Rei tem um cabeção desproporcional ao corpo e olhos de Astro Boy.

Além disso, por mais que Kirby sempre tenha sido baixinho, é retratado como uma criança em relação aos outros personagens.

Em entrevistas, Scioli diz que quis mostrar Kirby como uma criança eterna, que até o fim da vida se viu como um garoto de olhos arregalados diante da página de gibi.

O próprio Kirby é o narrador da biografia. Em recordatórios amarelos, é sua visão dos fatos que complementa os desenhos de cada página kirbyanamente decupada em seis quadros. 

Há dois trechos com outros narradores: um da esposa, Roz Kirby; e outro daquele que se considera seu grande colaborador, mas que muitas vezes foi nêmese: Stan Lee. A mudança na narração é bem-vinda e oferece outras perspectivas do Rei, nem sempre endeusantes.

Ainda sinto falta de uma biografia mais comprida e mais detalhista de Kirby, como todo quadrinista importante tem. Mark Evanier, que foi assistente de Kirby, supostamente está escrevendo uma dessas há mais de uma década.

Até lá, a de Scioli é a melhor história de vida do garoto de olhos arregalados que, aos 103 anos, segue vivo em centenas de personagens, nas suas prateleiras e nos kirby krackles que plantou na sua cabeça.

 

NEM O INFERNO ME SEGURA

Falando em hagiografias: Like Hell I Won’t, o documentário sobre vida, obra, feitos, gênio, glórias e triunfos de Todd McFarlane.

Está no YouTube, completo, há um mês.

É um doc feito pra TV a cabo, curto e com edição de TV a cabo. O ensejo foi Spawn n. 300, o marco que McFarlane atingiu no ano passado. Tem cenas de McFarlane trabalhando na prancheta, tratando com funcionários e com a família, supostamente “vida real”. E depoimentos de uns parças: Jim Lee, Marc Silvestri, Robert Kirkman.

É mais raso que as garantias de outro filme do Spawn – aquele que McFarlane promete sempre que fica sem assunto. E é focado no ímpeto inabalável do desenhista em fazer tudo que lhe dizem que não pode.

Sim, ele chora. Sim, ele pede desculpas por umas merdas na carreira. Sim, fala-se de como ele entrou em falência. Sim, a pessoa precisa de uma autoconfiança tremenda pra fazer tudo que McFarlane fez, e que bom que ele chegou aonde chegou.

Mas aí aparecem declarações “profundas” como a de Marc Silvestri: “Todd não se dá limites e acho que esse é seu segredo.” 

Ele é demais, hein?

É Tetris!

Sai na semana que vem: Tetris, de Box Brown (editora Mino, tradução de Celio Cecare). É a história do jogo de computador viciante criado nos anos 1980.

E que história: tem Guerra Fria, tem negócios milionários, tem tragédia inexplicada e tem chefes irritados porque todo o escritório ficou encaixando pecinhas coloridas no horário de trabalho. E ainda explica por que nosso cérebro se vicia nos encaixes.

Brown já lançou Cannabis por aqui. É o nicho que ele encontrou: quadrinhos-reportagem com boa pesquisa e narrativa simples. E temas ótimos, claro.

 

UMA PÁGINA

De Nick Sousanis, autor de Desaplanar. É uma página-ensaio (clique na imagem acima para ampliar) que ele publicou nas suas redes há algum tempo. Parte de uma declaração famosa de Donald Trump e recupera algumas ideias de seu livro.

Eu traduzi, Lielson Zeni revisou e o próprio Sousanis letreirou. A versão em português estreia aqui com exclusividade.

Você lê o original e mais sobre o processo de Sousanis no site do autor.

UMA CAPA

De Reanimator, de Juscelino Neco. Muito livremente baseado no conto de H.P. Lovecraft de 1922 – mais inspirado em Re-animator: a hora dos mortos vivos, o filme de 1987 –, o quadrinho do autor paraibano faz queixos caírem e gosma purulenta sair por orifícios diversos. É quadrinho de terror pra quem não se surpreende com mais nada.

Está em pré-venda aqui. O lançamento é no final de setembro.

Vale a pena ler a entrevista do autor no Vitralizado: “Lovecraft virou uma bolha gigante. Vejo edições luxuosas do trabalho dele, adaptações para quadrinhos, cinema. (...) Como eu gosto de falar mal dos colegas, não perco a oportunidade: os resultados são sofríveis.”

(o)

Sobre a coluna

Toda sexta-feira, virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.

Sobre o autor

Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato.

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