A história de uma família que é a história da imigração japonesa no Brasil. A perseguição do Dops a quem se declarava artista no período Vargas. Como um homem aprende a ver o mundo desde nascer até morrer. O realismo mágico do sertão nordestino durante o movimento retirante. E uma cabana do caçador onde todos os seres da floresta vêm para o banquete.
São cinco álbuns, todos do ano passado, e que compõem os finalistas da categoria Histórias em Quadrinhos do 62º Prêmio Jabuti. A shortlist é uma redução da primeira lista, anunciada há um mês, que tinha dez obras. Só estas cinco vão concorrer ao troféu, ao prêmio de R$ 5 mil e, claro, ao seu lugar na história como HQ do ano - segundo o Jabuti.
Se Roseira, Medalha, Engenho e Outras Histórias vencer, serão dois anos em sequência de troféus para Jefferson Costa, que no ano passado dividiu o prêmio com Rafael Calça por Jeremias: Pele.
Se ganhar O Obscuro Fichário dos Artistas Mundanos – sobre a perseguição política na era Vargas – será a primeira vez que a categoria premia uma quadrinista: Clarice Hoffman, autora da pesquisa que gerou a HQ e que divide os créditos com Abel Alencar, Greg, Paulo do Amparo, Maurício Castro e Clara Moreira.
Se der Os Olhos de Barthô, a história do homem que nasce, aprende e morre, Orlandeli vai coroar 25 anos de carreira com uma das produções mais intensas do país.
Se for Fujie e Mikito, será a dica para Yuri Andrey e Marcelo Costa darem sequência e contarem mais histórias da família Fukuda, que ficaram pequenas no volume curto.
E se Wagner Willian levar seu segundo Jabuti – ele ganhou na categoria Ilustração em 2015 – pelo deslumbre de tinta, sangue e seiva que é Silvestre, vai fechar o ciclo que começou com o abaixo-assinado que ele mesmo criou para defender a categoria Quadrinhos no Jabuti, há quatro anos. (Eu tive um dedo na campanha.)
Mais do que fazer apostas ou dizer meu favorito, eu penso que a maior contribuição destes quatro anos de Histórias em Quadrinhos como categoria no Jabuti foi deixar listas sólidas, úteis e históricas do que se produziu de melhor na HQ brasileira – pelo menos em formato livro – a cada ano. Não só os ganhadores, mas de todos os indicados. A lista de cada ano é uma bela lista de leitura para entender e acompanhar a HQ nacional desde 2017. Você confere todos indicados aqui.
A vencedora deste ano será anunciada na próxima quinta-feira, dia 26/11, em cerimônia online transmitida por Facebook e YouTube. Boa sorte às cinco.
ANGOULÊME
Se o Jabuti tem cinco, o Festival d’Angoulême tem 75. É um mar de gibi, do qual a maioria dos seres humanos, impossibilitados pelo câmbio do euro, só conhecerão as capas. Uma mais bonita que a outra. Veja aqui.
O tradicional festival francês – será a 48ª edição – anunciou esta semana os concorrentes a seus Fauves. São doze prêmios, divididos em poucas categorias: infantis, juvenis, policial, patrimônio e alguns outros, incluindo o Grand Prix.
Os franceses só publicam o que saiu na França. (O “só” é uma piada.) Há espaço nas categorias pra quadrinhos de qualquer procedência: tem graphic novel do Derf (Kent State), tem série da Image (Invisible Kingdom), tem clássicos do mangá (a coleção do Yoshiharu Tsuge), tem veteranos espanhóis (Paracuellos 2, de Carlos Giménez). Tem franceses e belgas também.
Se o Jabuti é o retrato ano a ano do quadrinho nacional, a seleção de indicados ao Festival d’Angoulême é um retrato de cada ano do quadrinho mundial. É uma foto bem colorida.
Em 2021, excepcionalmente (covid!), o Festival vai acontecer em junho. Os premiados, porém, vão ser anunciados na época tradicional: fim de janeiro. Acompanhe no site oficial.
FURA-QUARENTENA
Falando em França, na semana passada um senhorzinho de Biarritz virou notícia por ler gibi onde não devia.
Segundo o jornal Sud Ouest, o homem grisalho e de chapéu, ainda não identificado, tinha sentado-se num banco de praia para começar a ler sua bande dessinée quando a polícia apareceu e lhe aplicou uma multa.
O país da BD está em novo lockdown desde o fim de outubro, e só pode ficar na rua quem tiver justificativa. Ler gibi não vale.
Os olhos de águia dos leitores identificaram na foto as primeiras páginas do sexto volume de Vieux Fourneaux – série de Willie Lupano e Paul Cauuet, grande sucesso na França, justamente sobre aposentados periculosos.
A editora Dargaud publicou no Twitter que está à procura do velhinho e se ofereceu para ressarcí-lo pela multa.
TOMINÊ
Ainda da França e na sua abertura para gibis do mundo inteiro: os quadrinhos do norte-americano Adrian Tomine (A Solidão de um Quadrinho Sem Fim) vão ganhar sua primeira adaptação para o cinema pelas mãos de franceses. E franceses de responsa.
Segundo a Variety, Jacques Audiard (Dheepan: O Refúgio, O Profeta, Ferrugem e Osso, uma pilha de prêmios em Cannes e de Césares) está dirigindo e escreveu o roteiro com Léa Mysius (Ava) e Céline Sciamma (Retrato de uma Jovem em Chamas). O filme chama-se Les Olympiades, como o bairro de Paris.
Embora a Variety diga que o filme se baseia no penúltimo álbum de Tomine, Intrusos, o IMDB diz que o roteiro mistura contos de outro álbum do autor, Summer Blonde (inédito no Brasil). E dá uma sinopse: “Émilie conhece Camille, que se sente atraído por Nora, que cruza o caminho de Amber. Três garotas, um garoto – amigos, às vezes namorados, geralmente as duas coisas.”
Estreia no ano que vem.
CHARLIE CHAN HOCK ANIMÊ
Falando de adaptações, o premiado e ótimo A Arte de Charlie Chan Hock Chye, de Sonny Liew, vai virar animação, segundo o Straits Times de Singapura.
A adaptação vai ficar em casa, com a produtora singapurense 108 Media. A matéria diz que serão seis episódios, então dá pra sonhar que cada um terá estilo de animação diferente – tal como a graphic novel muda de estilo várias vezes para contar as décadas de carreira de um quadrinista fictício no país asiático.
UMA PÁGINA
— 牙 (@TANYABONES29) November 14, 2020
... que circulou bastante nas redes nos últimos dias, muitas vezes sem crédito. É da ilustradora chinesa Huahua Zhu, e mostra coisas que só os quadrinhos conseguem.
sobre o apagão no Amapá 1/5#SOSAmapa pic.twitter.com/09KmHdCAwD
— otoniel oliveira antifascista (@otonieloliveira) November 13, 2020
UMA PÁGINA QUE É UMA CAIXA
Mas ainda é uma página. E uma página do Chris Ware. Chris Ware que vem com chocolate!
É um calendário do advento produzido pela chocolataria parisiense (franceses, de novo) À La Mére de Famille. Os calendários do advento são uma tradição europeia: uma caixa que vem com 24 portinhas para você abrir de 1º a 24 de dezembro. A cada portinha, um chocolate.
MAIS UMA PÁGINA
Morning in America pic.twitter.com/dG9163cBZj
— Pia Guerra (@PiaGuerra) November 8, 2020
De Pia Guerra, mais conhecida como desenhista de Y: O Último Homem. Uma página que retrata os últimos quatro anos de noites mal dormidas para metade dos EUA – e o descanso (ou assim se espera) nas últimas semanas.
ÚLTIMA PÁGINA
Que é a mais tocante do ano. De Randall Munroe, na xkcd. Parece autobiográfica.
A imagem acima é só um treço. A versão completa vai do telefonema da médica às sessões de químio, a um casamento, a várias viagens e, de repente, uma década passou.
“Quando me mostraram o gráfico de expectativa de vida em dez anos, eu nunca achei que fosse chegar aqui. Não entendo como você casou comigo quando eu estava horrível. Mas foi muito fofo.”
“Você é a pessoa mais legal que eu já conheci na vida. Eu só queria todo o tempo que a gente pudesse ter.”
“Bom, boas notícias: vou seguir inabalada na minha existência horrenda e inexplicável! Toma, biologia!”
(o)
Sobre o autor
Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato.
Sobre a coluna
Toda sexta-feira, virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.
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