A notícia da semana é que Todd McFarlane resolveu apostar todas as fichas – todos seus milhões, no caso – em mais quadrinhos. Mais, mais, mais quadrinhos. E todos vão ser de Spawn.
Depois de anunciar a novidade em uma reunião de lojistas, McFarlane foi ao Instagram e à imprensa especializada avisar que, este ano, Spawn vai virar um universo de títulos interconectados. Serão quatro até o fim do ano: King Spawn, Gunslinger Spawn, um team book chamado The Scorched, mais a Spawn titular velha de guerra. Na prática, vai ter Spawn novo toda semana.
O que significa que McFarlane – que completa 60 anos no mês que vem – deixou a fama subir à cabeça. Ou que percebeu um momento para Spawn que ninguém mais está vendo. Qual será?
Embora os quadrinhos de Spawn não deem as caras no Brasil há um tempo – a série se encerrou em 2008, a última tentativa de retomada foi um encadernado em 2019 –, nos EUA o personagem está numa fase de subida nas vendas. Desde a edição 300 a revista ganha público e tem frequentado o top 20 das mais vendidas.
O último número que saiu foi o 314. Por obstinação de McFarlane, Spawn também é a revista mais barata no mercado: US$ 2,99, enquanto similares da DC, Marvel e do resto da Image custam a partir de US$ 3,99.
Também teve a notícia do recorde, registrado no Guinness, de quadrinho autoral de maior duração. E o financiamento coletivo para reedição da action figure clássica de Spawn rendeu US$ 3,4 milhões no Kickstarter (a meta era US$ 100 mil). Spawn ainda virou personagem de Mortal Kombat 11 no ano passado.
Tem também o papo sobre o novo filme, do qual McFarlane fala desde que lançou o primeiro, há 24 anos. Somando as demoras usuais de Hollywood e a necessidade que McFarlane tem de contar cada passinho da pré-produção, o resultado é, por enquanto, só papo sobre um filme que não existe.
O release oficial do “Spawnverso” traz uma declaração de McFarlane: “A DC Comics lançou seu universo compartilhado em fins dos anos 1930. A Marvel Comics, no início dos 1960… Será que o raio pode cair [nos quadrinhos] pela terceira vez em 2021? Da minha parte, não tenho como responder agora. Mas só vou ter como responder se eu tentar”.
O release também traz uma lista de autores que vão participar dos títulos, mas sem dizer quem vai fazer o quê. Há nomes muito grandes (e caros) do mercado, como Frank Quitely, Art Adams, J. Scott Campbell, David Finch, Sean Gordon Murphy, o ex-discípulo de McFarlane Greg Capullo e seu sócio na Image Marc Silvestri – mas, até que se prove o contrário, esse povo todo só vai trabalhar em capas.
O roteirista Donny Cates (Venom, Thor, Crossover) já manifestou nas redes que está empolgado de trabalhar com McFarlane. Jim Cheung, desenhista bastante conhecido na Marvel (Dinastia M, Jovens Vingadores) vai desenhar um especial que abre o “Spawnverso”: Spawn’s Universe, de junho. Os brasileiros Marcio Takara e Paulo Siqueira também estão envolvidos, mas não se sabe no quê.
Quem vai efetivamente escrever e desenhar Rei Spawn, Pistoleiro Spawn e o team book dos“Chamuscados”, assim como a revista titular ainda é incógnita. É uma incógnita também se McFarlane, que se desentendeu com vários roteiristas que trabalharam em Spawn, vai conseguir ficar só de supervisor ou editor desse monte de séries.
“Na verdade, é algo que já vinha sendo plantado há bastante tempo”, me diz André Luiz, um dos responsáveis pelo site Spawn Brasil – e que acompanha há anos os quadrinhos e as notícias do Spawnverso. “McFarlane não foi tão audacioso quanto parece.”
André me conta que o Spawnverso está sendo “plantado” desde a edição 300 com a introdução de novos personagens: “Spawns de outras dimensões, de outras épocas”.
A série principal, aliás, está ficando lotada. “É como se não estivesse mais sobrando espaço para todo mundo aparecer, para contar suas histórias sem atrapalhar a trama principal. Como se nas histórias do Batman aparecesse mais Asa Noturna do que o próprio Batman.”
Apesar de ter medo de como vai fazer para comprar todas as revistas novas, André disse que “o momento pro anúncio foi perfeito.”
Ao Bleeding Cool, McFarlane confirmou que King Spawn é referência a King Conan, a série em que o bárbaro virava um governante mais velho e mais sábio. “É, e eu faço essa referência porque vejo as 300 edições de Spawn como [a série] Conan, o Bárbaro. Ele era um guerreiro jovem sempre pronto pra briga, que nunca se rendia. Mas tem um momento em que o interessante do rei é que ele já teve as batalhas, já se provou, e agora sabe como jogar o jogo um pouquinho diferente, em alguns casos de um jeito bem diferente, e chegar no mesmo resultado. Que é derrotar o inimigo. O que nem sempre vai ser com a espada em punho no campo de batalha.”
Rich Johnston, o entrevistador do Bleeding Cool, perguntou se McFarlane estava descrevendo Rei Spawn ou se estava descrevendo o próprio McFarlane, trinta anos depois de criar Spawn.
O autor dá uma resposta enrolada, admitindo que o personagem é uma versão “diluída” de si. Também diz: “Eu vou trazer outros personagens, eles vão olhar pro Spawn com esse distanciamento histórico. Ele pode ser o líder, ele não pode mais agir que nem a garotada, então ele precisa da garotada porque eles têm enegia e entusiasmo. Ele, se tudo der certo, vai ser um guia.”
Johnston conclui: “É, esse é o Todd.”
O ANIVERSÁRIO ATRASADO DA MARVEL NO BRASIL
Os quadrinhos da Marvel completaram 80 anos no Brasil… em 2020. O aniversário passou batido. Terá sido por causa da bagunça que foi o ano? Por desatenção? Ou porque é complicado entender essas datas?
Bom, uma pessoa entende e tem todos os gibis em casa para provar. É Alexandre Morgado, autor de Marvel Comics: a trajetória da casa das ideias no Brasil. O livro saiu em 2017, quando a Marvel fez “50 anos” no Brasil (cinquenta?) e esgotou. Agora vai sair em edição nova, ampliada e revisada, que está no Catarse.
A Marvel americana já fez confusão com as datas. Até 2011, por exemplo, ela se dizia com 50 anos – contando da introdução do Quarteto Fantástico em 1961. Em 2019, porém, a casa das ideias comemorou 80 anos – contando da introdução de Tocha Humana e Namor em Marvel Comics n. 1, de 1939; nesta época, a editora atendia por Timely Comics.
No Brasil, já se contou a introdução da Marvel a partir de 1967 – quando a editora Ebal lançou sua linha Marvel. A Panini, por exemplo, lançou o especial Marvel 40 Anos no Brasil em 2007. Mas Morgado inclui o período Timely para dizer que a Marvel tem mais tempo por aqui: a primeira história de Namor no Brasil saiu no n. 142 da revista Gibi, publicada pelo jornal O Globo, em abril de 1940. Há quase 81 anos.
Desde O Globo, “no total, a Marvel teve 47 editoras no Brasil”, apura Morgado. Ele foi atrás de quarenta editores e outros profissionais que trabalharam com a Marvel no país para fechar as informações e contar como foram as oito décadas. Na nova edição, seu livro tem mais de 500 páginas para explicar a trajetória.
Ele não foi só atrás de entrevistas, mas das revistas em si. Morgado tem tudo que saiu da Marvel no Brasil: aproximadamente nove mil publicações. “Depois de completar minha primeira coleção em 1997 – O Incrível Hulk, da Abril – decidir correr atrás do que tinha sido publicado”, ele me contou. “Em 2015 completei a Marvel, com tudo que tinha saído aqui. A edição que bateu o martelo foi O Túmulo do Conde Drácula, da editora Saber”. A revista teve uma edição só, em 1972.
Morgado diz que a história da Marvel no Brasil é a história de uma “salada editorial. A grande surpresa foi descobrir editoras de que eu nunca tinha ouvido falar”. Entre outros curiosidades, há o episódio em que Stan Lee perguntou se a Ebal poderia imprimir os gibis da Marvel norte-americana, nos anos 1970. O editor tinha visto as cores da impressão brasileira e queria assim nas originais. Ficou só na intenção.
A nova edição de a trajetória da casa das ideias, além de revisada e com novas ilustrações, também comenta o fim das coleções Marvel Salvat e o episódio mal sucedido do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, contra um gibi Marvel na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2019.
Morgado – que, quando não está lendo gibi, trabalha num cartório em São Paulo – ainda tenta manter sua coleção completa de Marvel brazuca. “Atualmente está complicado. Só o material da Marvel está na base dos R$ 700 por mês. Está difícil acompanhar tudo. Mas pretendo continuar.”
A campanha de Marvel Comics: a trajetória... no Catarse vai até 1º de maio.
VIRANDO PÁGINAS
Roger Cruz, ou Rogério da Cruz Koroda, completa 50 anos na segunda-feira, dia 22. Tendo começado nos quadrinhos aos 15 como letreirista, Cruz virou o primeiro desenhista brasileiro a trabalhar para a Marvel em 1994. Depois de muito X-Men, hoje ele tem trabalhos autorais primorosos como a trilogia Xampu (Panini) e Quaisqualigundum (com Davi Calil, pela Dead Hamster).
Criminal teve seu último volume publicado no Brasil em fevereiro de 2011, há dez anos. Desde lá, a série de Ed Brubaker e Sean Phillips e todas as colaborações da dupla (Incognito, Fatale, The Fade Out, Kill or Be Killed e outras) acumulam prêmios e são figurinha fácil em lista de melhores do ano. Mas, há dez anos, nada dos dois sai no Brasil. Por quê? Mistério.
Neste domingo, dia 21, faz dez anos que Dwayne McDuffie faleceu depois de uma cirurgia cardíaca de emergência – um dia depois de completar 49 anos. McDuffie participou da criação da linha Milestone Media e do Super Choque, tendo sido roteirista e produtor do desenho animado do personagem e outras animações da DC. Há dois prêmios com seu nome nos EUA: o Prêmio Dwayne McDuffie de Diversidade nos Quadrinhos e o Prêmio Dwayne McDuffie de Quadrinhos para Crianças, ambos criados em 2015.
Si Spencer, roteirista britânico da 2000 AD e vários projetos na linha Vertigo, faleceu inesperadamente esta semana. A data correta e o motivo não foram divulgados. Ele entrou nos quadrinhos como editor em 1990 e também trabalhou em roteiros para a BBC, como da série EastEnders. No Brasil, ele lançou Corpos (com vários artistas) e Hellblazer: Cidade dos Demônios (com Sean Gordon Murphy). O obituário no site da 2000 AD lembra uma declaração do autor: “Gostamos de criar mundos onde as coisas se comportem como a gente manda, para impor ordem a um mundo aleatório e, melhor de tudo, criar um mundo onde essa ordem é a nossa ordem. Acho que todo escritor é um fascista frustrado.”
UMA CAPA
De Arthur Adams para Fantastic Four Omnibus vol. 4, reinventando a capa clássica de Fantastic Four n. 100 de Jack Kirby e Joe Sinnott.
UMA PÁGINA
De “In Love With Our Child”, da melhor quadrinista do mundo, Eleanor Davis, para o New York Times de domingo passado. Não é bem uma página, mas um trecho da HQ, que você lê completa aqui. E devia ler agora.
(o)
Sobre o autor
Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato.
Sobre a coluna
Toda sexta-feira, virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.
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#29 - O prêmio de HQ mais importante do mundo
#28 - Brasileiros em 2021 e preguiça na Marvel
#27 - Brasileiros pelo mundo e brasileiros pelo Brasil
#26 - Brasileiros em 2021 e a Marvel no Capitólio
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#9 - Quadrinhos de quem não desiste nunca
#8 - Como os franceses leem gibi
#7 - Violência policial nas HQs
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#5 - Wander e Moebius: o jeitinho do brasileiro e as sacanagens do francês
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