Muita gente morre em All of Us Are Dead - e isso não é um spoiler, visto que se trata de uma história de zumbis -, mas, para além disso, os personagens da série coreana da Netflix estão sempre falando sobre morrer. No roteiro de Chun Sung-il, baseado em um webtoon de Joon Dong-yeun, os protagonistas jovens se veem constantemente às voltas com um impulso quase irresistível de desistir de tudo e se entregar ao vazio. E a série sugere, não necessariamente de forma sutil, que esse impulso existia neles (e existe em todos nós) muito antes de se verem cercados por hordas de zumbis.
Por isso, os personagens de All of Us Are Dead estão perpetuamente à procura de um propósito, uma razão para sobreviver, algo além de um instinto básico de preservação que os empurre adiante em meio a tentativas de fuga frustradas e crescente exaustão. A série, de forma muito inteligente, dá amplo espaço para que eles encontrem essas razões uns nos outros: romances desabrocham em meio ao caos, naquela toada bem-humorada típica dos crushes adolescentes; amizades previamente estabelecidas são testadas e fortalecidas, ou se transformam; mas, acima de tudo, personagens saem lentamente de seus casulos e aprendem a enxergar a si mesmos, e aos outros, como mais do que suas classes econômicas, gêneros, tipos de corpos ou posições sociais na hierarquia escolar.
Essa é a desconstrução empática que All of Us Are Dead promove o tempo todo para contrapor o seu retrato cruel e violento do mundo em completo caos apocalíptico, e do impulso de morte intenso (e compreensível) que ele causa nos personagens. Na trama, a infecção zumbi tem como marco zero uma escola de ensino médio no interior da Coreia do Sul, onde um professor de ciências desenvolve um vírus poderoso, inadvertidamente, ao tentar dar ao filho a força para revidar o bullying praticado por alguns dos colegas.
Conforme a trama se desenrola, fica claro que All of Us Are Dead quer mesmo é resgatar e atualizar a potência da história de zumbis como metáfora social. Se George A. Romero usou os mortos-vivos para condenar o consumismo, o racismo e outros flagelos em diferentes produções, Chun Sung-il pinta um quadro abrangente das violências pessoais que praticamos uns contra os outros na contemporaneidade, e do sistema que as permite, as justifica, e até mesmo as incentiva. A série guarda os seus olhares mais condenadores para aqueles que demonstram descaso ao sofrimento alheio, ou colocam o interesse institucional das estruturas onde estão inseridos (governos, pelotões militares, o complexo educacional) acima de vidas humanas.
Se essa parece uma tarefa hercúlea para um roteirista assumir, ao menos All of Us Are Dead dá 12 episódios de 1h (às vezes, alguns minutos mais do que isso) para que Chun tente cumpri-la. E, embora seja inclemente em sua ação sangrenta, uma verdadeira maratona de sobrevivência, a série é também dinâmica o bastante para evitar que o espectador se veja tão exausto quanto os personagens. Nas mãos dos diretores Kim Nam-su e Lee Jae-kyoo, as cenas de ação são conduzidas de maneira audaciosa, lançando mão de recursos que vão do fast-forward cômico à câmera na mão claustrofóbica para criar um universo visual constantemente surpreendente.
É recorrente na TV sul-coreana, aliás, essa atitude destemida diante da elaboração técnica das séries. Ao invés de estabelecer um tom rígido e se privar de certas possibilidades para mantê-lo, os artistas por trás de títulos como All of Us Are Dead parecem sempre dispostos a usar todos os truques ao seu alcance, se comprometendo totalmente com cada escolha estética, mesmo que ela seja antitética a que veio imediatamente antes. Essas são séries que entram e saem de elaborações kitsch com a naturalidade de quem compreende que, no fluxo da arte e do entretenimento, não é preciso ser sério para falar sério.
Basta olhar para como florescem, no meio do completo caos dessa história, atuações sentidas e brutalmente eficientes como as de Yoon Chan-young (o seu apaixonado Chung-san tem o melhor clímax de todos na trama) e Cho Yi-hyun (modulando com delicadeza a sua tímida Nam-ra, uma das personagens que sai daquele casulo que mencionei alguns parágrafos acima). All of Us Are Dead sabe que o único jeito de derrotar aquele impulso de morte que permeia sua história é se apegando ao afeto, ao valor, ao humor e à apreciação que encontramos uns nos outros - e não economiza esforços para traduzir tudo isso na tela.
Criado por: Chun Sung-il
Duração: 1 temporada