Cruel Summer tem uma daquelas histórias que parece que já ouvimos dezenas de vezes. Uma garota adolescente fabulosamente popular (Olivia Holt) em uma cidadezinha americana desaparece sem deixar vestígios, enquanto a jovem tímida (Chiara Aurelia) que vivia à sua sombra assume o topo da hierarquia social colegial - o que, naturalmente, a transforma na principal suspeita no caso do desaparecimento.
A série que chegou hoje (06) ao Amazon Prime Video, no entanto, é cheia de cartas na manga. A produção de Jessica Biel começa surpreendendo já na estrutura, visto que a história é contada de forma não linear, passeando entre os verões de 1993, 1994 e 1995. Assim, Cruel Summer entrega logo de cara desenvolvimentos de trama e personagens que outras séries guardariam para o final, o que mostra a confiança dos roteiristas nas reviravoltas e implicações de seu mistério central.
Confiança bem colocada, diga-se de passagem, como o finale “Hostile Witness” deixa claro. A equipe comandada pela showrunner Tia Napolitano (Grey’s Anatomy) engendra uma resolução provocativa, emocionalmente honesta e tremendamente satisfatória para as principais questões não respondidas da trama - e ainda encontra tempo para um epílogo deliciosamente kitsch, que faz o que parecia impossível em pleno 2021: usar “Creep”, do Radiohead, de maneira genuinamente interessante.
Durante todos os dez episódios de sua primeira temporada, Cruel Summer é exatamente assim, uma série de mistério teen inegavelmente competente que, de vez em quando, se ilumina com um momento de puro brilhantismo. Acontece nas cenas finais de “Hostile Witness”, mas também em várias das sequências de Chiara Aurelia como Jeanette, especialmente na linha narrativa de 1995, quando a personagem é reintroduzida com um novo corte de cabelo e uma nova perspectiva (muito mais amarga) da vida.
A atriz tira de letra o papel mais difícil da trama, mantendo o espectador na ponta dos pés, incerto quanto ao envolvimento de Jeanette no desaparecimento de sua “rival”. Ao mesmo tempo, ela garante que compreendemos e nos envolvemos com a personagem o bastante para torcer por ela em um nível quase instintivo - aquele nível em que sempre torcemos pela garota excluída nos filmes do gênero.
A série, em grande parte graças a essa performance dinâmica de Aurelia, parece nos perguntar onde está o limite entre rotineiro e perturbador quando se trata de uma adolescente obcecada pela popularidade. A resposta não é simples, e nem fácil de ouvir, mas Cruel Summer parece singularmente interessada em fazer esse tipo de pergunta espinhosa.
É o que acontece, por exemplo, quando a série aborda abuso e grooming - termo para quando um indivíduo maior de idade tenta seduzir ou atrair uma pessoa muito mais nova para um relacionamento de natureza sexual -, ou quando integra personagens LGBTQIA+ no contexto de uma cidade do interior norte-americano nos anos 1990. A consciência que Cruel Summer tem de sua própria responsabilidade ao atacar esses assuntos sempre se cruza harmoniosamente com o desejo que a produção tem de entreter.
Esse é um cruzamento que, como os fãs de produções voltadas ao público adolescente podem testemunhar, quase nunca dá certo. Cruel Summer é a exceção.
Criado por: Bert V. Royal
Duração: 1 temporada