Em entrevista concedida em 2019, durante a divulgação do filme Magnatas do Crime, Guy Ritchie afirmou que o projeto vinha do seu interesse em explorar as tensões de classe na Inglaterra. O diretor queria estudar como as classes média e alta coexistem e como surgem e se desenvolvem os atritos entre elas. É justamente daí que vem a série homônima, lançada pela Netflix: do desejo de contar e investigar por mais tempo esse cabo de guerra.
O universo é o mesmo, mas os personagens são novos. Edward (Theo James) é um militar que, com a morte de seu pai poderoso, se torna o Duque de Halstead e herda os negócios e terras da família. O problema é que esses negócios não são lá muito convencionais: os Hornimans construíram seu império com plantações de maconha. Edward, então, fica encarregado de resolver os problemas da família e lidar com aliados e rivais, mas a parte de viver na ilegalidade não é bem um ponto relevante em Magnatas do Crime. Na verdade, é interessante notar como problemas com a lei são uma raridade no universo do seriado. Os impérios do crime são tratados como negócios convencionais.
Em termos de história, é curioso como Magnatas do Crime fica estagnada durante seus oito episódios. São negociações que não são fechadas, vinganças que não se concretizam, flertes que não vão pra frente, embates que não acontecem… Parece que a história nunca está indo para lugar nenhum (o que não é necessariamente um defeito, vale ressaltar). Mas o que banca a existência deste cenário é observar o que a série almeja tirar de cada um desses momentos. Ritchie e os demais diretores (Nima Nourizadeh, Eren Creevy e David Caffrey) estão muito mais engajados em mostrar esses choques entre classes do que a porradaria que costuma ser a marca do cineasta inglês. Talvez por isso os momentos de violência sejam quase sempre subvertidos em gags. E até mesmo a grande cena de ação da temporada, envolta por uma expectativa de pancadaria e tiroteio, é interrompida por uma elipse nos leva para o acontecimento seguinte.
Em Magnatas do Crime, há uma fuga da violência que, ao mesmo tempo que pode ser fruto de questões orçamentárias (tiroteios e explosões não são baratos), também indica a procura de Ritchie por uma história menos dependente de embates físicos. É uma tentativa de “pacificar” os conflitos de classe. Essa negação da violência é um aceno do cineasta para um mundo ideal (e utópico), onde as diferenças sociais serão resolvidas no diálogo.
O protagonista é o grande catalisador desse movimento de pacificação justamente por ter nascido em uma família tradicional e rica, mas ter se afastado para trabalhar por conta própria. É um personagem que desde sua cena introdutória mostra ser capaz de enxergar o território mais cinzento no mundo real, fugindo de separação entre bons e maus e buscando manter o império da família sem gerar guerras. Ele é também um sujeito que conheceu os dois mundos. Nasceu em berço de ouro, mas abriu mão de seu poder. Até mesmo quando Edward tem sua propriedade roubada, a solução é benéfica tanto para ele e seu negócio, quanto para os ladrões.
Dessa forma, a narrativa de Magnatas do Crime opera como um carrossel de situações que explora os diferentes atritos de classe simbolizados por seus personagens. Trata-se de uma eterna disputa por poder, e quem ganha é sempre quem tem jogo de cintura para engolir o orgulho e encontrar um território em comum no qual ambos possam caminhar.
O que impede essa visão neoliberal de Magnatas do Crime de prosperar narrativamente é a repetição. Com o cenário estabelecido, a obra nunca dá um passo além para explorar as nuances e os detalhes relevantes que fazem aquele mundo ser peculiar. Soa como uma visão infantilizada e até inocente para os conflitos que retrata. Há mais tesão em conectar ao filme com cenas referenciais (o envenenamento é quase idêntico ao que está no longa de 2019) ou, então, com os mesmos dispositivos narrativos (a luta de boxe como a única violência possível por existir em um mundo de regras).
Por mais que vez ou outra Ritchie mostre como as regras são falhas e o sistema não funciona, o diretor nunca sai do caminho da pacificação. Para Guy Ritchie, os problemas entre pobres, classe média e ricos não se dão pela diferença de poder, mas pela ineficácia das regras que norteiam aquele mundo. As lutas de boxe são arranjadas e as prisões são resorts. Para Ritchie, a conciliação não virá da lei, mas de um aperto de mãos e de um diálogo. Uma pena que seus diálogos falem muito e digam tão pouco.
Criado por: Guy Ritchie
Duração: 1 temporada