Existem alguns elementos que se complementam para formar Mare of Easttown. Influências de Broadchurch e True Detective são as mais imediatas. Adicione um pitada de Big Little Lies, uma colher de Sharp Objects e você quase consegue visualizar a nova minissérie da HBO. Mas a criação de Brad Ingelsby vai bem além de suas referências. Com um roteiro original, a série liderada por Kate Winslet é um raro exemplo de produção que parece existir além de sua trama. Em Easttown, uma gama de personagens existe para criar contexto e atmosfera, e é construída com tanta proeza que forma um pano de fundo quase palpável de tão verdadeiro.
Todos estes circulam Mare Sheehan (Winslet), detetive assombrada por um caso não-resolvido do desaparecimento de uma jovem, que no fim do primeiro episódio é encarregada de resolver o assassinato de outra adolescente. Mare perdeu um filho há algum tempo, luta pela custódia de seu neto, e passa seu dia lidando ainda com os problemas mundanos de seus vizinhos da pequena cidade da Pensilvânia. Existem algumas coisas que poderiam dar brilho em sua jornada: o auxílio de um jovem investigador de outra cidade (Evan Peters) ou talvez um interesse amoroso de um escritor (Guy Pearce). Mas o clima frio de Easttown, os crimes, e o passado de Mare pesam em sua atmosfera. Rapidamente visível pela casca grossa que Winslet veste para o papel, o escudo de Mare não será fácil de derrubar.
Com o desenvolvimento da série, Mare of Easttown se revela mais sobre o arco de superação de Mare do que sobre os crimes da cidade. Isso não quer dizer que a investigação, fio-condutor da trama, não renda ótimas expectativas e grandes reviravoltas. Mas ao contrário de uma produção tradicional do gênero, os personagens que surgem em Mare of Easttown não são necessariamente itens em uma lista de suspeitos. Eles existem e compõem uma cidade tipicamente americana e ordinária mais do que servem à jornada da protagonista.
O melhor exemplo disso está no outro destaque do elenco (além de Winslet, claro), Jean Smart. Roubando a cena em absolutamente todos os momentos em que aparece, a atriz vive a mãe de Mare, e é uma pessoa absolutamente comum: passa os dias jogando joguinhos no iPad, criticando a filha, bisbilhotando assuntos alheios. Helen funciona como exemplo da reflexão da culpa materna, mas a construção da personagem é tão refinada que se eleva. Ela complementa a vida da protagonista mas não depende dela, como se existissem outras facetas de sua vida construídas, que apenas não tivemos chance de testemunhar.
O mesmo vale para personagens como Lori Ross (Julianne Nicholson) - forte candidata ao Emmy de atriz coadjuvante por sua performance na reta final - Colin Zabel (Evan Peters) e Beth Hanlon (Chinasa Ogbuagu), figuras com tempo de tela reduzido, mas cujas personalidades poderiam encher uma produção inteira. Tudo isso demonstra a habilidade rara de Ingelsby para criar atmosfera. Mare of Easttown se dedicou tanto à construção de sua cidade que criou um universo peculiar e cativante, difícil de deixar para trás quando a produção encerra em seu sétimo episódio.
O arremate final é que a série consegue entregar toda essa complexidade sem apagar uma investigação intrigante, usando exatamente estas ferramentas para criar relações que, por mais breves que sejam, deixam seu impacto no espectador. A empatia criada pelos personagens faz com que o público se torne Mare, e entenda a dificuldade de enxergar claramente quando a cidade é tão pequena e tão próxima.
No último episódio, Mare lidera um interrogatório com um suposto culpado fazendo-lhe perguntas tradicionais que se vê em uma cena como essa. A melhor parte da sequência, e o que exemplifica o ponto alto de Mare of Easttown, é que inserido no meio de seu questionamento está seu rancor e sua decepção pessoal com o suspeito e suas ações. São momentos como este que elevam a série da HBO, e fazem de Mare of Easttown um suspense investigativo mais pessoal e singular.
Criado por: Brad Ingelsby
Duração: 1 temporada