Era difícil imaginar que Succession pudesse superar o final de sua terceira temporada, que colocou Logan Roy (Brian Cox), o todo-poderoso magnata da Waystar Royco, no lado oposto de não apenas um, mas de todos os seus filhos, em um movimento que escancarou as feridas profundas de uma dinâmica familiar completamente disfuncional. O quarto ano da série, no entanto, não só conseguiu superar o seu predecessor, como teve uma jornada impecável até seu final, consagrando a série no panteão das grandes produções da HBO, ao lado de dramas como Família Soprano e The Wire.
[Atenção: a partir daqui, a crítica tem um spoiler do quarto ano da série – mais especificamente, do terceiro episódio. Não leia se não quiser saber o que acontece]
Ao longo dos dez episódios da leva final, o texto do criador Jesse Armstrong encontrou novas maneiras de mergulhar na tragédia familiar que assola os Roy, e o fez a partir de um catalisador importante: a morte de Logan, tão surpreendente quanto inevitável; surpreendente porque, para nós e para aqueles ao seu redor, o patriarca era uma figura imponente, quase imortal, que teimosamente resistia a deixar a vida pública; inevitável porque sua saúde vinha dando sinais de fragilidade literalmente desde o início da série – e, narrativamente, sua partida era necessária para que os filhos pudessem tentar criar suas próprias identidades, de certa forma libertos da presença opressora do pai.
Acontece que Logan, mesmo morto, é uma presença incomparável, e não só como figura pública e empresário de sucesso. Seus quatro filhos – Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook), Roman (Kieran Culkin) e Connor (Alan Ruck) – carregam em si as marcas de anos de negligência emocional, traições e decepções, e essas feridas não cicatrizam só porque o pai não está mais no mundo dos vivos; elas continuam a se expressar por meio do sentimento de desconexão da realidade e da imaturidade emocional que cada um deles carrega, em níveis diferentes. Como agravante, Logan partiu sem realmente se reconciliar com os filhos – e, mais do que isso, sem nunca dar a aprovação que eles tanto desejavam.
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O misto de sentimentos é bem expresso no brilhante terceiro episódio da temporada, mas segue reverberando muito depois, especialmente porque Kendall, Shiv e Roman imediatamente se envolvem em uma disputa pelo futuro da empresa, em vias de ser comprada pelo sueco Lukas Matsson (Alexander Skarsgard). O roteiro de Succession costura bem o turbilhão emocional reprimido de seus protagonistas enlutados com as tradicionais negociatas financeiras e políticas do mundo em que eles estão inseridos, tornando o conjunto ainda mais fascinante.
A série sempre reconheceu que seus personagens são, em muitas medidas, fracos e/ou desprezíveis; mas nunca falhou em humanizá-los. E o quarto ano é excepcional nisso, desfolhando novas camadas de todo seu elenco principal. O triunfo, é claro, é resultado da união do ótimo roteiro de Armstrong com o talento de seu elenco: enquanto Jeremy Strong segue uma presença forte com seu Kendall, Kieran Culkin e Sarah Snook ganham espaço para crescer e se entregar de forma ainda mais intensa a seus personagens, como deixam muito claro a cena em que Roman desaba no funeral do pai e a sequência da intensa briga de Shiv e Tom (Matthew Macfadyen, também ótimo).
Intitulado "De Olhos Abertos", o episódio derradeiro de Succession, dirigido por Mark Mylod (que trabalhou em O Menu e vários outros episódios da série), é a conclusão perfeita para a jornada. Mais do que acompanhar os vaivéns da questão central da série -- quem, afinal, vai substituir Logan? --, ele entrega uma montanha-russa emocional que nos dá uma amostra de como os Roy seriam se fossem uma família com menos bagagem emocional. Dessa forma, ele só potencializa seu desfecho -- que, basta dizer, é incrivelmente apropriado para com todos os seus personagens.
Succession se despede, sem dúvidas, como uma das grandes séries do nosso tempo.
Criado por: Jesse Armstrong
Duração: 4 temporadas